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13.07.2006 | 03h00

Sonhos feitos e desfeitos

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A história dos grandes feitos é povoada de sonhos. A trajetória de vencedores e a ascensão de Nações se devem a uma classe de homens que firmam seu caráter sobre a força da crença. São homens predestinados a conservar sua linha própria entre as pressões coercitivas da sociedade, capazes de ascender à própria dignidade, nadando contra todas as correntes rebaixadoras, não se desvanecendo na névoa moral em que muitos se descoloram, como tão bem lembrava o grande pensador José Ingenieros em seu belo ensaio sobre o Homem Medíocre. Recorro a esta imagem sobre a grandeza dos homens de sonho, civismo e crença para homenagear um ilustre brasileiro que desaparece do nosso convívio, o ex-deputado federal e ex-governador do Mato Grosso, Dante de Oliveira, a quem se atribui o feito de ter ajudado o país a reencontrar os horizontes da democracia política.

A emenda à Constituição, de sua autoria, em 1984, que restabelecia a eleição direta para presidente da República, inspirou o movimento das "Diretas Já", que tomou contas das ruas, propiciando comícios e manifestações gigantescas, como a que ocorreu em 16 de abril, quando quase 2 milhões de pessoas acorreram ao Vale do Anhangabaú, em São Paulo, na maior manifestação popular da história do país. Derrotada em 25 de abril, por não ter atingido quorum para que fosse apreciada no Senado, mesmo assim a emenda Dante de Oliveira foi o facho de luz que iluminou a consciência nacional, alargando os caminhos que propiciaram a engenharia política que, em 1989, elegeu pelo voto direto o primeiro presidente após o ciclo militar.

Lembrar Dante de Oliveira é rememorar um tempo em que o poder das idéias ainda prevalecia sobre o poder das ambições individuais. Nos meados dos anos 80, ainda podíamos distinguir o ideário de civismo pátrio unindo corações, integrando vontades, mobilizando as massas e engajando os atores políticos no processo de redemocratização do país. Infelizmente, logo após os grandes movimentos de rua, que culminaram com a Constituição Cidadã de 1988, o Brasil passou a conviver com uma cultura política eivada de personalismos. A base doutrinária que ainda dava vigor aos partidos fragmentou-se, abrindo grandes frestas para as ambições pessoais e para a subordinação do Parlamento aos interesses dos Poder Executivo, sob a esteira de uma ampla teia fisiológica que chega, hoje, ao ápice, bastando ver o incongruente jogo de alianças formadas para o pleito de outubro próximo.

Quando o jovem parlamentar construiu a sua emenda resgatando o sufrágio universal no pleito presidencial, estava imbuído de um ideal democrático revigorado por partidos fortes e doutrinários, relações respeitosas entre os Poderes, forças políticas integradas ao espírito partidário e políticas públicas ajustadas ao bem comum. Duas décadas depois, a moldura institucional se apresenta bastante diferente. A despolitização é geral. O sonho de uma Federação assentada numa base da convivialidade e do respeito se desfez. Os partidos se estiolaram e passaram a gravitar como satélites em torno do Poder Executivo. A corrupção grassou em escala geométrica nas instâncias de todos os Poderes. A crise política se acirrou a partir de episódios de cooptação ilegal de parlamentares. Denúncias continuam a se multiplicar. A conseqüência se apresenta na distância que separa a sociedade da instituição política. Não há como deixar de reconhecer que a fé e a esperança se esvaem pelo ralo da descrença.

A grandeza de uma Nação não resulta apenas da exuberância de índices econômicos, de riquezas materiais e vultosos programas distributivistas voltados, freqüentemente, para fortalecer a imagem de governantes. O progresso de uma Nação é também o somatório de seus valores, das tradições, do respeito às leis, do culto às instituições, do sentimento de segurança, enfim, da chama que corre nas veias dos cidadãos, expandindo justo orgulho cívico pelo fato de serem cidadãos da Pátria que tanto amam. Nesse sentido, urge reconhecer que a grandeza passa longe do território. Já faz um bom tempo que vemos anulados os elementos espirituais da Pátria, seja pela incúria dos governantes, seja pela ambição desmesurada de parcela do setor político, seja pela fraqueza das instituições e sua incapacidade em propiciar justiça, segurança e bem-estar social. Em alguns Estados da Federação, assistimos, impassíveis, à expansão da violência e do crime organizado. Os serviços públicos carecem de qualidade. A infra-estrutura urbana das metrópoles se deteriora. E enquanto o Brasil real sofre mazelas de todos os tipos, doenças físicas e espirituais, outro Brasil, o país da especulação,da ganância e dos acordos espúrios, se expande a olhos vistos.

Diz um ditado chinês que "uma longa viagem de mil milhas se inicia com o movimento de um pé". Dante de Oliveira, com sua emenda das Diretas Já, abriu a longa viagem do Brasil na direção do futuro democrático. Partiu sem ver o final da jornada. Possivelmente triste por ver tanta degradação no meio do caminho.

Ramez Tebet, senador (PMDB/MS), foi presidente da Comissão de Assuntos Econômicos e do Senado

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