30.04.2006 | 03h00
Osmar Prado garante que o temido Barão de Araruna, de Sinhá Moça, não é um vilão - mesmo sendo classificado como tal na sinopse da novela. O ator mergulha no personagem para encontrar detalhes que explicam que, de maniqueísta, o antagonista da trama das seis da Globo nada tem. Após analisar meticulosamente as atitudes desse representante da elite econômica do Brasil do Século XIX, Osmar confessa que busca em suas referências pessoais suas próprias características politicamente incorretas. "Eu também tenho potencialidade para ser um Barão ou um ditador. E busco isso dentro de mim para fazê-lo", ensina.
Na verdade, Osmar Prado não é o tipo de ator que busca informações para a composição de um tipo em livros ou filmes, por exemplo. Desde que estreou na tevê, em 1961, com a trama A Herdeira de Ferleac, na TV Excelsior de São Paulo, Osmar sempre vasculha em seu próprio histórico de vida conteúdo suficiente para compor cada personagem. Foi assim que esse paulistano de 58 anos construiu tipos diversificados, do rústico Tião Galinha de Renascer ao simplório Margarido de Chocolate Com Pimenta. "Na medida em que vou amadurecendo, todos os meus personagens vão ficando mais interessantes, porque eu mesmo vou tendo cada vez mais informações sobre a vida para abastecê-los", pondera o ator, sempre com uma voz firme e pausada.
A imagem austera, proporcionada pelo denso bigode do mais empedernido escravocrata da trama de Benedito Ruy Barbosa, só é quebrada quando o ator faz uma cuidadosa retrospectiva sobre sua carreira na televisão. Este foi o veículo em que mais atuou, seguido do teatro e do cinema. Afinal, em 48 anos de carreira como ator e 45 anos de carreira na tevê, Osmar nunca chegou a ficar mais de dois anos sem atuar em alguma produção televisiva. "Num mercado flutuante como o nosso, ter ficado tanto tempo no ar mostra que tive uma carreira de sucesso, que já está consolidada", comemora, com um sorriso simpático. Algo inimaginável na face do Barão de Araruna. Em seus últimos personagens na tevê, o Margarido de Chocolate Com Pimenta e os papéis em Hoje É Dia de Maria havia uma aura de inocência. O Barão se contrapõe a essa linha, é complexo, vilanesco. Um personagem com essa carga dramática traz que tipo de estímulo?
Diversos personagens me trazem várias nuances de estímulos, desde o Tião Galinha até o Barão. Esses mais densos me instigam muito. Como o Hitler, que fiz no teatro, por exemplo. São tipos que estimulam um ator como eu, que tem prazer em representar. O Barão, da maneira que ele é escrito, é muito interessante por suas contradições. Não é um papel maniqueísta. Ele tem sentimentos, é humanizado. Isso é muito rico, porque não é mau o tempo inteiro. Ele não é particularmente um vilão.
Por que você não o classifica como um vilão?
Sob o ponto de vista da Igreja, Galileu era um vilão, mas para a Humanidade, não. Um cientista que consegue provar que a Terra não é o centro do universo contradiz todos os dogmas da Igreja. Eu sempre olho os personagens por diversos ângulos, sob vários pontos de vista. É fundamental para mim que as pessoas não o vejam como um homem mau, mas como um representante de uma política má. Qual é o grande vilão da nossa época, Bush, Tony Blair ou Bin Laden? O grande vilão é o mercado que a tudo destrói, que tenta dizimar as culturas, acabar com tudo em função dos interesses financeiros.
Então você faz um paralelo entre a crise na economia contemporânea e os interesses dos latifundiários durante o regime escravocrata?
Isso! O negro era um sustentáculo desse regime. Sem a mão de obra escrava, o Barão não teria se consolidado. Perdê-la seria uma pena de morte. Infelizmente, o negro foi o único elemento da tragédia humana que conseguiu ser dominado e era forte o suficiente para suportar pesados trabalhos braçais, num período em que se precisava plantar café em grandes extensões de terra. Ele era o produto de sustentação econômica do país. É isso que precisa ser analisado. O Barão apenas dá prosseguimento ao que aprendeu com o pai e com o avô.
Esse mote em uma trama de época é extremamente atual, visto que ainda há formas de escravidão no país...
Sem dúvida. Em vários lugares se prende o trabalhador num local e se faz com que ele assuma uma dívida impagável. Com isso, eles ficam atrelados ao senhor da fazenda. Caso fujam, acabam morrendo. Ainda existem feitores! Até hoje não existe uma reforma agrária séria e conseqüente que possa solucionar o problema da terra.
A novela também fala de reforma agrária através da personagem Sinhá Moça. Como ator, de que forma você analisa a contemporaneidade desse contexto em uma trama de época?
Para mim este é o grande barato da novela. Procuro humanizar o Barão na minha interpretação e vejo a Sinhá como a grande progressista dessa história. Ela é a representante de um pensamento generoso, de que todo homem é igual perante a Deus, e que não se tem o direito de aprisionar ninguém em prol de vantagens financeiras. Mas a novela é um folhetim e tem de ser diversão. É interessante ver isso nesse remake da Edmara e Edilene através do texto do pai delas (Benedito Ruy Barbosa). O Barão não esconde o que ele é. É sempre coerente com seu pensamento e não disfarça qualquer tentativa de fazer valer seus direitos, idéias e valores. Enfrenta a tudo e a todos.
Onde você buscou referências nessa composição?
(pausa) Fiz o Barão de dentro para fora. Busquei dentro de mim, nas mais variadas informações que adquiri nesse tempo de vida. Quis fazer um Barão limpo, sem nenhum tipo de recurso estético. Ele não fuma, não tem cachimbo e nem charuto. A própria roupa e a maneira austera com que ele se veste e o certo humor que ele tem foram resgatados em mim. Procuro as minhas distorções de caráter em potencial para jogar no Barão. Trabalho muito com os olhos, com expressões corporais. É tudo muito limpo, sem enfeites.
Esse tipo de composição se estende aos seus outros personagens? Ou seja, você utiliza sempre esse recurso de buscar informações pessoais para abastecer seus papéis?
Sempre. O ator tem dentro de si tudo o que precisa para qualquer personagem. Não é preciso buscar fora, ler livros sobre o assunto ou assistir a filmes. Evidentemente, com o cabedal cultural que se vai adquirindo ao longo da vida, com o somatório de experiências ao longo do exercício do trabalho, ele só vai aprimorando cada vez mais a capacidade de buscar dentro de si todas as possibilidades. O intérprete deve ser o imitador, o observador do comportamento humano. Um ser humano é feito do equilíbrio das manifestações humanas. Nesse personagem, busquei o Barão que há em mim. Ele está aqui. Existe potencialidade para sê-lo. Evidentemente que não quero escravizar ninguém, mas poderia, se tivesse sido criado para isso. Ou poderia ser um ditador como o Hitler. Se tivesse manifestações de dependência química, também poderia ser um Lobato.
O Lobato, em O Clone, foi um personagem de grande repercussão pelo seu confronto com as drogas. Esse tipo de prestação de serviço exerce influência quando você decide aceitar um papel?
Não tenho ilusões com as novelas. Esse produto visa conquistar os telespectadores do horário para vender produtos anunciados. Sinceramente, não acho, por exemplo, que se discutirá a reforma agrária com o papel da Sinhá. Mas isso pode ser visto subliminarmente. O que se reflete nesta novela das seis é a liberdade de existir, de pensar. Por isso, não consigo lembrar de papéis que aceitei pela questão social, nem mesmo os meus preferidos na tevê.
Nem os que trazem melhores lembranças entre seus 47 personagens na tevê, em 45 anos de carreira, desde sua estréia em A Herdeira de Ferleac, em 1961?
- (Risos) Realmente não tenho papéis preferidos. Diria que alguns se destacaram, outros passaram. O Barão me traz prazer no momento. Lembro do Seu Quequé, que foi muito legal porque falava da questão da poligamia. O Margarido não era tão aprofundado, mas foi interessante. O Barão é bastante complexo e gosto de estudá-lo. Ele está no rol dos mais fortes e dramáticos. Talvez eu tenha a capacidade de convencer o público de que tudo o que faço é real.
Esse pode ser um motivo de você nunca ter ficado mais de dois anos fora do ar nesses 45 anos de carreira na tevê?
Isso é um bom sinal! (risos). Mostra que minha carreira foi consolidada. Sou um vitorioso por isso e acho que porque alcancei uma credibilidade. Despertei o interesse das pessoas pelo meu trabalho e fiz com que muita gente quisesse trabalhar comigo. Gozo de uma penetração no povo brasileiro, que me admira, me pára nas ruas porque sente diversas emoções através de cada personagem que faço. Isso é fruto de uma carreira longa e dedicada, na tentativa de, cada vez mais, me superar e melhorar apaixonadamente.
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