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DEU EM A GAZETA 30.09.2025 | 06h44

Em meio à fome e ameaça de despejo, Ana Bolanes sonha

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Dantielle Venturini

redacao@gazetadigital.com.br

JOãO VIEIRA

JOãO VIEIRA

Ana Maria Bolanes, de 7 anos, é de uma família indígena venezuelana e mora com mais nove pessoas em um barraco de apenas dois cômodos, em uma das ocupações do Contorno Leste, conhecida como Flor do Leste, em Cuiabá. Ela veio para o Brasil com apenas três meses de vida. Não conheceu o pai, que abandonou a mãe e o irmão, quando ela ainda estava gestante. Desde pequena é criada pela avó. Ela sonha em dançar, ser bailarina. Mas sua vida, por enquanto, é um malabarismo entre a fome, a ameaça do despejo e a falta de tudo.

 

Hoje, sua história é contada pelo Jornal A Gazeta por causa de uma cena que chamou a atenção de todos que estavam no Mutirão PopRuaJud e Ação de Cidadania 2025, realizado pelo Poder Judiciário. Uma cena simples, mas que transformou o ambiente. Ao ver uma bailarina, Ana Bolanes se aproxima e começa a repetir os passos. A bailarina estendeu a mão para ela e as duas, sem ensaio, sem roteiro, dançaram.

 

Sem palco, sem refletores. Só o chão comum de um espaço montado para levar dignidade, cuidado e, naquele momento, também um “sonho”. Ela nunca havia feito aula de ballet. Mas dançou com o que tinha: coragem, curiosidade e alma. Após vídeo publicado nas redes sociais pelo juiz da Vara de Execuções Penais de Cuiabá, Geraldo Fidelis, com o título “A menina e a bailarina”, em que ele destaca o momento como o “mais poético e comovente” do PopRuaJud, A Gazeta foi conhecer a história de Ana.

 

A família vive em situação de extrema vulnerabilidade e, em breve, todos terão que deixar o local por causa da reintegração de posse. Tímida e toda arrumada, Ana aguardava a equipe de A Gazeta na entrada do barraco. Vestia sua melhor roupa, o cabelo preso com cuidado. Nem parecia a mesma menina que, dias antes, havia dançado com coragem, sem medo de errar. Desconfiada, ela conta que está “nervosa”. Ainda com pouca idade, mas com muita inteligência, questiona se com a reportagem terá oportunidade de fazer ballet. “Eu gostaria muito”, enfatiza. Sobre ser bailarina, destaca que se encanta com a roupa, a dança, as mãos. “Parece que quando dançam, elas voam”, diz, com os olhos brilhando.

 

SONHO X REALIDADE

Matilde Bolanes, 59 anos, é a avó que criou Ana desde que ela nasceu. Venezuelana Em meio à fome e ameaça de despejo, Ana Bolanes sonha João Vieira e indígena, Matilde fugiu da crise humanitária em seu país com filhos e os netos, em busca de um recomeço no Brasil, mas o sonho de uma vida estável está cada vez mais longe de acontecer. Ela conta que, antes daquele dia, a neta nunca teve oportunidade de chegar perto de uma bailarina e, embora a família torça por esse sonho, existe uma dura realidade que a impede de realizá-lo.

 

“Sempre foi apaixonada pela dança, mas nunca tivemos como apoiar esse sonho”. Com a saúde debilitada, operada recente da vesícula e precisando ainda operar da catarata, Matilde conta que não consegue trabalhar, mas que entre seus maiores sonhos está o de poder oferecer dignidade, um lar, comida à neta e aos filhos. A mãe de Ana, embora nunca tenha abandonado a filha, seguiu um caminho diferente. Casou-se novamente e hoje vive com o novo marido em Rondonópolis. Matilde, então, assumiu o papel de mãe, avó e cuidadora. “Faço o que posso. Ana sempre foi uma menina sonhadora. Mas a gente vive com medo do amanhã. Agora com o despejo, não sabemos nem para onde vamos”, conta, com a voz embargada.

 

A tia de Ana, Rossana Medrano, 40, mora na mesma casa com o marido e mais quatro filhos. Com o pé quebrado e sem poder trabalhar, Rossana conta que a situação tem se agravado. “Temos comida garantida para mais dois dias com algumas coisas que ganhamos. Depois disso... a gente vê o que faz”, desabafa.

 

Os únicos que conseguem alguma renda na casa são dois homens da família, que realizam trabalhos por diária, sem nenhuma estabilidade. “Quando aparece serviço, ganham R$ 100 por dia. Mas nem sempre tem. Sobrevivemos com isso e com o Bolsa Família”, explica. Mesmo com todos os esforços, a realidade é cruel. “Tem dia que precisamos pedir. Bater na porta dos outros, porque não tem nada”, diz Rossana, com os olhos marejados.

 

SEM LAR

Com data marcada para deixar o local, dia 28 de outubro, a família, assim como outras 13 famílias venezuelanas indígenas que moram na região, o povo Warao vive a incerteza da moradia desde que chegou em Cuiabá, há cerca de sete anos. Na época, Rossana e sua família se acomodaram em barracas de lona em um canteiro em frente ao Terminal Rodoviário de Cuiabá Engenheiro Cássio Veiga de Sá. Logo foram recebidos no Centro de Pastoral para Migrantes. E agora, com as outras famílias que também são parentes, vivem na região onde hoje há pelo menos 72 Indígenas Warao.

 

“Dói quando nossos filhos nos perguntam: ‘mãe a gente vai para onde?’”, destaca Rossana com os olhos marejados. Segundo ela, nas últimas semanas a Polícia Militar começou a realizar diversas rondas na região e informar que eles precisam deixar o local dentro do prazo. “Mas não temos para onde ir”, lembra. Ela conta que as famílias chegaram a realizar o cadastro no programa Casa Cuiabana, mas até o momento não receberam mais informações. O medo é que o ambiente fique hostil e as crianças em risco. “Tudo que a gente quer é poder viver em paz, com dignidade para nossos filhos”.

 

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