TRADIÇÃO 26.10.2025 | 12h00

fred.moraes@gazetadigital.com.br
Reprodução
Há quase um ano Cuiabá se despedia de uma de suas maiores referências culturais e gastronômicas. Eulália da Silva Soares, a eterna Dona Eulália, partiu aos 90 anos, deixando muito mais do que receitas: uma história de amor à cuiabania e um legado que atravessa gerações.
Pioneira no preparo do bolo de arroz adocicado, Dona Eulália transformou uma receita simples em símbolo da identidade mato-grossense. Foi esse talento que lhe rendeu reconhecimento nacional com reportagens exibidas na Rede Record, Revista Veja, Jornal Estadão e até um documentário dedicado à sua trajetória.
O quintal da Rua Professor João Félix, no bairro Lixeira, segue movimentado, como sempre foi. Lá, entre risadas, café fresco e o cheiro de bolo saindo do forno, os netos e filhos da culinarista mantêm viva a tradição da família.
No espaço onde a avó escreveu sua história, o
entrevista o comunicador, Diego Amorim Soares, um dos 37 netos de Dona Eulália, que fala com orgulho e emoção sobre a continuidade do legado.
“Falar da nossa querida e eterna Dona Eulália é um mix de emoção. Ela não deixou apenas receitas, mas um legado de simplicidade e receptividade. Aqui é um ponto de encontro, onde as pessoas se reencontram, matam a saudade e celebram a nossa cultura. O carinho e o prazer em atender continuam os mesmos”, lembra.
Para Diego, dar continuidade ao restaurante é mais do que um trabalho, é uma missão. “Se você imaginar que uma receita de família vira patrimônio cultural de Cuiabá, do Mato Grosso e até do Brasil, é motivo de muito orgulho. A gente recebe pessoas que conheceram minha avó há 40, 50 anos, e todas elas têm histórias lindas com ela. Isso é muito gratificante”, diz o neto emocionado.
Por mais de sete décadas, Dona Eulália dedicou-se à produção artesanal das iguarias que conquistaram o país. Uma receita que aprendeu com uma tia, enquanto vivia na Zona Rural de Cuiabá, transformou completamente sua vida. Durante anos, acordava às três da manhã para acender os fornos e preparar as massas dos bolos de arroz, de queijo e das chipas.
O trabalho árduo começou em 1956, quando ela vendia os quitutes de porta em porta, nas escolas do bairro da Lixeira, além da Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito, tradicional na cultura cuiabana. Com o tempo, transformou o quintal de casa em um ponto de encontro para moradores e visitantes, o famoso “tchá cô bolo”, que virou parte da rotina cuiabana.
A fama foi tanta que, em 2017, o bolo de arroz típico de Dona Eulália foi declarado prato oficial da culinária mato-grossense, por meio de lei sancionada pelo então governador Pedro Taques.
Reconhecida também três vezes pela Veja Comer & Beber, nos anos de 2017, 2018, 2019, como autora do melhor bolinho de arroz da cidade, e homenageada em 2021 como Mestre da Cultura, Dona Eulália consolidou-se como uma das maiores representantes da gastronomia regional.
Após a partida da matriarca, a família decidiu seguir o pedido que ela fez ainda em vida: manter o quintal funcionando e preservar a tradição.
“A gente já vinha ajudando na administração, então a transição foi natural”, explica Diego. “A falta dela é irreparável, mas a fé e a alegria que sempre teve permanecem aqui. Queremos modernizar a estrutura, mas sem perder a simplicidade que é o coração da casa, explica.”
O neto conta que o restaurante recebe mais de cinco mil pessoas aos fins de semana, mobilizando cerca de 40 familiares e colaboradores. “Trabalhar em família é gostoso. Tem comédia, tem responsabilidade, e o principal objetivo é entregar sabor e qualidade, tanto no bolo quanto no atendimento. Aqui a gente quer que todo mundo se sinta parte da família.”
Entre as fornalhas e os retratos que enfeitam as paredes, Dona Eulália ainda parece estar por ali, de bengala na mão e um sorriso acolhedor.
“Ela era uma figura. Mesmo não estando mais fisicamente, a presença dela é muito forte. Quem entra aqui sente isso. É o calor do forno, do café e do carinho no atendimento”, relata Diego.
Tradição que não se apaga
Hoje, o restaurante Eulália & Família mantém viva a essência da fundadora: simples, acolhedora e cheia de afeto.
“Quem vem aqui não encontra só um café com bolo, encontra um pedacinho da nossa história, da nossa cultura. A casa continua sendo um lugar de encontros e de amor. É a forma mais bonita de manter viva a memória da nossa avó”, conclui Diego.
No dia 28 de outubro de 2024, quando faleceu, o Governo do Estado e a Prefeitura de Cuiabá decretaram luto oficial de três dias, em reconhecimento à mulher que se tornou patrimônio cultural vivo da cidade.
Entre o aroma do café e o sabor do bolo de arroz, o legado de Dona Eulália segue aquecido não apenas pelo fogo do forno à
lenha, mas pelo afeto de quem transforma cada receita em memória e cada visita em um gesto de gratidão à cuiabania.
Um ano se passou, mas entre as ruas do bairro da Lixeira, principalmente na praça em frente ao restaurante, é impossível esquecer da simpática senhorinha afetuosa que conquistou milhares de admiradores por sua determinação, simplicidade e resiliência. Dona Eulália segue viva dentro de cada coração e da cuiabania, um legado que nem o tempo poderá apagar.
Publicidade
Publicidade
Milho Disponível
R$ 66,90
0,75%
Algodão
R$ 164,95
1,41%
Boi à vista
R$ 285,25
0,14%
Soja Disponível
R$ 153,20
1,06%
Publicidade
Publicidade
O Grupo Gazeta reúne veículos de comunicação em Mato Grosso. Foi fundado em 1990 com o lançamento de A Gazeta, jornal de maior circulação e influência no Estado. Integram o Grupo as emissoras Gazeta FM, FM Alta Floresta, FM Barra do Garças, FM Poxoréu, Cultura FM, Vila Real FM, TV Vila Real 10.1, TV Pantanal 22.1, o Instituto de Pesquisa Gazeta Dados e o Portal Gazeta Digital.
É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem a devida citação da fonte.