por dignidade 02.12.2018 | 08h25
Luiz Alves
"Agora eu sou independente de mim mesma", diz a reeducanda Eduarda de Pereira Silva, 36. O chapéu verde de proteção contra o sol esconde longos cabelos negros. Sua maquiagem, depois de um dia inteiro de trabalho, já se desfaz em suor.
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A travesti faz parte de um grupo de 30 detentos que desde o dia 22 de novembro sai da prisão munido de enxadas, rastelos e cortadores de grama para realizar serviços de manutenção da cidade.
Todos os dias, às 7h30, eles embarcam em um ônibus do sistema prisional no Centro de Ressocialização de Cuiabá, antiga penitenciária do Carumbé, e rumam à avenida dos Trabalhadores, no bairro Campo Verde. Lá, são incumbidos de cortar mudas de árvores, recolher as folhas secas, cortar a grama e, ainda, fazer a proteção dos carros que passam em alta velocidade pela avenida.
Mesmo com o trabalho braçal árduo, Duda, como gosta de ser chamada, não deixa de lado sua feminilidade. Todos os dias acorda muito antes dos seus colegas de trabalho para se enfeitar. Passa nos olhos uma sombra cor-de-rosa, delineador e finaliza com batom. Na orelha, pendura um brinco prateado encoberto de pedras.
"Tenho brinco, maquiagem, batom. No caso já não tem mais batom porque saiu e eu não retoco porque não tenho espelho. Agora como estou trabalhando vai melhorar muita coisa para mim porque eu posso comprar o que eu preciso", disse.
Duda está na penitenciária do Carumbé há 5 anos e 3 meses. Ex-viciada em cocaína, ela foi condenada por tráfico de drogas. Na época, trabalhava em uma boca de fumo em troca de uma quantidade de droga, que usava para manter o vício. Dentro do presídio, já está em seu segundo relacionamento. Em 2015, a detenta participou da 1ª cerimônia de união estável gay realizada em uma prisão do Brasil.
"Na cadeia eu arranjei um boy, casei, larguei e depois namorei de novo. Esse aí de agora completou a minha vida e eu completei a vida dele, mas não sei se quero casar de novo. Eu até penso, mas o outro me magoou muito. Eu era uma viciada e ele não teve paciência comigo. Eu sofri, sofri, sofri muito por causa dele, mas aí apareceu essa benção na minha vida".
Sem receber visita da família desde que foi presa, Duda conta com o incentivo do namorado e seus sogros para se livrar das drogas. Ela assegura que está há mais de 1 ano limpa. Segurando o rastelo com a mão firme, ela divaga em seus planos para o futuro, que consiste em continuar trabalhando para comprar uma casa própria.
"Eu coloquei na minha cabeça que não quero morar com ninguém. Nem com família, nem com sogra, nem com sogro, nem com tia. A minha casa vai ser com meu marido. Eu quero bater na parede dela e dizer 'aqui é meu e daqui ninguém me tira'. Uma casa alugada nunca é da gente. Quero trabalhar pra me manter", finalizou.
Renivaldo
O projeto que concede trabalhos ajuda nomes além de Eduarda. Renilvado
Souza Lopes, 26 anos, conheceu sua atual esposa há 2 anos e 3 meses, em um período em que saia da penitenciária todos os dias para trabalhar de pintor. Agora, seu plano consiste em continuar trabalhando para diminuir sua pena e passar o resto da vida com a mulher.
"Nós nos apaixonamos. Eu penso em ter filhos, quero casar e ter a minha própria casa, ter a minha vida. Quando ela vem me visitar ela chora de saudade, é só lágrima", desabafou.
Ele está detido há 4 anos no Carumbé. No início de sua pena, passou 2 anos na Penitenciária Central do Estado (PCE), no Pascoal Ramos. Nesse tempo já trabalhou de pintor, marceneiro e agora, junto à Duda, realiza os serviços de manutenção da cidade.
"O que eu espero com isso é conseguir minha liberdade. Ir embora e fazer de tudo para não voltar mais para esse lugar. Quero seguir a minha vida de cabeça erguida daqui pra frente".
Josias
Um terço do salário mínimo que o detento Josias Barbosa, de 36 anos, vai receber com o trabalho, será destinado à criação de seus 3 filhos, que o esperam junto à sua esposa. No projeto, o salário é dividido em 3 parcelas, sendo que uma fica guardada em uma poupança e a outra pode ser utilizada pelo detento.
"A minha família é quem estava ajudando a minha esposa, porque minha esposa não tinha condições de trabalhar tendo 3 filhos pra criar, ainda mais porque tem um bebê de 11 meses. Então agora vai ser uma boa, porque eu vou receber uma ajuda e parte fica para minha família".
Ele acumula 6 condenações por roubo, sendo que sua última sentença foi em 2005. Antes de chegar ao Carumbé, passou 9 anos na PCE, até que foi liberado para o regime semiaberto. Em 2016, contudo, foi condenado a voltar para o presídio.
"Eu fui para o crime na adolescência por curiosidade. Eu tinha um amigo e eu queria entrar em um grupo, porque meus pais eram crentes e o meu grupo era diferente do que eu via lá fora. Eu fui e não consegui sair. Fui da droga, depois comecei furtando. Furtava para manter o vício. Depois fui aumentando e eu comecei a roubar com arma", contou.
O tempo que passou no semiaberto foi o suficiente para Josias compreender que teria dificuldades em arranjar um emprego. Por isso, ele espera conseguir constituir uma carreira e diminuir sua pena.
"Eu só quero um futuro para mim porque já estou com 36 anos. Quero poder descansar com a minha família, poder estar perto do meu filho e da minha esposa. Tudo é sonho. Tem dia que a gente sonha e acorda bem, esperando por uma mudança maior na nossa vida. Tem dia que a gente sonha que não vai dar certo, mas a gente luta para que dê certo".
O projeto
A medida é o resultado da parceria firmada entre o Executivo e a Fundação Nova Chance (Funac), visando contribuir para a ressocialização de recuperandos do Sistema Prisional de Mato Grosso.
Consolidada em agosto deste ano, a união entre as diversas esferas do poder público tem como objetivo principal a contratação de até 600 pessoas, para atender à demanda da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos.
Conforme estabelecido no Termo de Cooperação serão empregados 350 homens, em estado de regime fechado e outros 200, que fazem parte do sistema semiaberto. Também são asseguradas pelo menos 50 vagas para mulheres. O Termo é válido por 12 meses, podendo ser prorrogado conforme o interesse das partes.
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Milho Disponível
R$ 66,90
0,75%
Algodão
R$ 164,95
1,41%
Boi à vista
R$ 285,25
0,14%
Soja Disponível
R$ 153,20
1,06%
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