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24.05.2025 | 08h56

A cadeira vazia

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Fabricio Carvalho

Divulgação

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Arrumamos a casa inteira para ninguém. Limpamos o ambiente, organizamos a mesa, deixamos duas xícaras sobre a toalha branca, como quem espera. Mas, com frequência, ninguém vem. Nem mesmo nós.


E, quando enfim ousamos sair, não raro nos deparamos com barreiras invisíveis — erguidas por nós mesmos — que sabotam encontros com amigos ou até com quem poderia vir a sê-lo, seja num bar, seja na padaria da esquina, lugares simples onde a vida poderia, enfim, acontecer.


A verdade é que vivemos numa era em que exaltamos a independência como virtude suprema. Ensimesmados, aprendemos a evitar a dependência emocional como se fosse fraqueza. Vendemos a ideia de autossuficiência como modelo de sucesso. Mas o que ganhamos com isso senão um sintoma coletivo de solidão?


Como lembra a socióloga Isabelle Anchieta em seu artigo mais recente publicado no Estado da Arte, a saúde mental e física dependem, antes de tudo, da saúde social — essa capacidade cada vez mais rara de convivermos com os outros de forma profunda e verdadeira.


Conviver é, dentre as artes humanas, a mais difícil. Contudo, sem laços afetivos duradouros, sem convivência real, até o corpo adoece. Os dados já escancaram isso: o isolamento aumenta o risco de morte precoce, AVC, depressão e demência. A modernidade narcisista cobra um preço alto sem levar em conta que todos os aspectos da vida humana estão visceralmente vinculados às nossas relações humanas e sociais.


O problema é que passamos a temer a convivência tanto quanto antes temíamos a solidão. Fugimos do outro como se ele fosse ameaça ao nosso conforto, às nossas certezas, ao nosso ritmo. O outro nos exige escuta, paciência, negociação. Mas também nos oferece espelho, chão, memória e abraço.


A cultura da selfie simboliza esse desvio. Já não queremos ver o mundo — queremos ser vistos. Não celebramos santos, celebridades ou causas. Celebramos a própria imagem, o próprio reflexo. O problema é que o espelho de nós mesmos - parafraseando Gilles Lipovetsky - é vazio. Sozinho, ele não responde.


Não se trata de nostalgia nem de retorno a valores rígidos ou estruturas opressoras. Trata-se de reencontrar o ponto de equilíbrio: o valor da partilha, da escuta, da presença. Um reencontro que não significa renunciar ao indivíduo, mas reconhecer que a individualidade só floresce plenamente no encontro com o outro.


A cadeira ao lado da mesa não é apenas um espaço físico. É símbolo de algo que precisa ser recuperado: a disposição de conviver, com tudo que isso implica — da beleza do afeto ao incômodo da diferença. A resposta não está em nos isolarmos mais, mas em reaprender a estar juntos.


Engana-se quem está pensando que proponho aqui uma solução fácil para um desafio tão intricado. A convivência, afinal, é uma experiência sutil, por vezes incômoda e vulnerável. Porém, ainda assim, é fundamental para que possamos levar uma vida rica em sentido e envolvimento.


Porque, no fim das contas, não há felicidade completa sem uma boa conversa, uma briga reconciliada, uma gargalhada compartilhada. O mundo é mais habitável quando não nos basta apenas a própria companhia. Ao encontro desta reflexão, eis a pesquisa mais célebre e longeva sobre o tema, realizada em Harvard, a qual confirma a constatação aristotélica e posteriormente rousseauniana: “Não existe felicidade sem os outros”; frase dita em seu Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, de 1754.


E o mais bonito é que, de forma quase mágica, a vida se encarrega de fazer cruzar nossos caminhos com aqueles que serão abrigo, espelho, impulso e silêncio ao nosso lado. Sempre haverá alguém — ou alguns — que chegarão para somar alegria, sentido e crescimento. Cada um de nós, cedo ou tarde, encontrará os seus.

Fabricio Carvalho é maestro e membro da Academia Mato-Grossense de Letras @maestrofabriciocarvalho

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