31.12.2025 | 09h39
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O mundo moderno gosta de pensar que amadureceu. A razão ficou adulta, os direitos viraram lei, a economia cresceu, a vida ficou organizada.
Nesse cenário, Jesus Cristo costuma aparecer como figura simpática, um mestre do bem, um símbolo bonito. Desde que não atrapalhe. Desde que não confronte. Desde que não exija demais.
O problema é que Jesus exige. Ele exige quando a razão vira desculpa para ignorar gente.
O Iluminismo ensinou a desconfiar de reis, padres e verdades impostas — e isso foi um avanço. Jesus também peitou autoridades e desmascarou hipocrisias.
Mas a razão moderna acredita que pensar bem resolve tudo. Jesus não compra essa ideia.
Ele não pergunta se algo é lógico; pergunta se é justo. Não pergunta se é eficiente; pergunta quem fica de fora. Razão sem compaixão vira técnica fria. E técnica fria sempre encontra um jeito elegante de justificar a crueldade.
O mesmo vale para os Direitos Humanos. Eles são essenciais, salvam vidas, criam limites contra a barbárie. Mas não surgiram do nada.
A ideia de que toda vida vale — inclusive a do pobre, do doente, do estranho — não era comum no mundo antigo. Isso vem do escândalo do Evangelho.
A diferença é que a lei chega até certo ponto. Ela impede a agressão, mas não muda o desejo de dominar. Jesus vai além: ele cutuca o lugar de onde nasce a violência.
Quando a conversa chega no dinheiro, o incômodo cresce. Não existe conciliação honesta entre Jesus e o capitalismo do jeito que ele funciona hoje.
Um sistema que transforma tudo em mercadoria — tempo, corpo, atenção, gente — entra em choque com alguém que colocou o cuidado no centro.
O mercado pergunta quanto você vale. Jesus pergunta quem você deixou para trás.
Por isso tentaram refazer Jesus: coach espiritual, símbolo de prosperidade, inspiração para vencer.
Um Jesus que ajuda a dormir em paz enquanto a desigualdade segue normal. Funciona para o sistema. Não funciona para o Evangelho.
A burguesia teve papel importante nisso. Ela aceitou Jesus desde que ele ficasse no âmbito privado.
Um Jesus para a consciência individual, não para a organização da sociedade. Um Jesus para o domingo, não para o contrato, o salário, a terra, o lucro.
Assim, dá para rezar e explorar, falar em amor e desprezar pobre, defender valores e naturalizar miséria. Tudo educado, tudo respeitável.
E aqui aparece uma diferença decisiva que costuma ser escondida: o Jesus do Evangelho não é o mesmo Jesus da religião institucionalizada.
O Jesus do Evangelho anda com quem não conta, toca quem é evitado, enfrenta líderes religiosos, relativiza leis sagradas quando elas machucam pessoas. Ele diz que o sábado existe para o ser humano, não o contrário.
Já o Jesus da religião, muitas vezes, é usado para manter ordem, exigir obediência e garantir tranquilidade aos que mandam.
O Jesus do Evangelho liberta. O Jesus da religião costuma controlar.
O Jesus do Evangelho incomoda poderosos. O da religião costuma se sentar com eles.
O Jesus do Evangelho aponta o dedo para a hipocrisia. O da religião costuma chamá-la de “prudência”.
Não é coincidência que Jesus tenha sido morto com apoio religioso. Ele não foi executado por excesso de bondade, mas por coerência demais.
Desmontou o discurso sagrado que justificava exclusão. Mostrou que dá para usar o nome de Deus para ferir gente. E isso é imperdoável para qualquer sistema.
Desde então, tentam neutralizá-lo. Transformá-lo em símbolo, tradição, identidade cultural.
Qualquer coisa que não obrigue ninguém a mudar de lugar. Mas Jesus continua escapando. Continua aparecendo onde o sistema e a religião preferem não olhar: no pobre, no preso, no humilhado, no descartado.
Continua fazendo perguntas simples e insuportáveis: “onde está teu irmão?”, “por que você tem tanto?”, “quem decidiu que essa vida vale menos?”.
Jesus não cabe no Iluminismo, nos Direitos Humanos, no capitalismo, na burguesia — nem na religião quando ela troca o Evangelho pelo poder.
Não porque tudo isso seja inútil, mas porque Jesus vai além.
Ele não quer apenas leis melhores, mercados mais eficientes ou fiéis comportados. Ele quer conversão. E conversão nunca foi confortável.
Talvez por isso tentem usar Jesus sem o escutar. Porque escutá-lo de verdade ainda custa caro demais — para o sistema e, muitas vezes, para a própria religião.
Paulo Lemos é advogado e articulista de opinião
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