12.10.2005 | 03h00
Em um bairro pobre, muito pobre mesmo, um menino morreu de leucemia. O velório, com a presença de gente simples da comunidade, foi na casa do garoto, no quintal, para ser mais exata. A cena não fugiu do que ocorre no cotidiano do bairro. Jazia o garoto, que não chegou a completar 10 anos de idade, num caixão daqueles disponibilizados a quem não tem dinheiro para pagar e "decorado" com flores colhidas nos matagais na região que colegas de escola trouxeram. Enquanto família, amigos e curiosos conversavam e lamentavam a morte ao lado do caixãozinho, surge uma pergunta. Por que o garoto não está com sapatos? Por que ele vai ser enterrado descalço? A resposta, objetiva e óbvia em razão do contexto, veio cortante: não dá para desperdiçar os sapatos "só" porque o dono morreu. O irmão mais novo logo logo vai precisar daquele par de sapatos. História verdadeira. Ocorreu em Cuiabá anos atrás.
Hoje é Dia das Crianças. Uma data que, para poucas, é sinônimo de ganhar presentes. Para outras, muitas outras, que moram perto da minha casa e da sua também, é sinônimo de saber que há meninos e meninas se divertindo com brinquedos novos. É saber que, "lá em casa", infelizmente, o brinquedo não vai chegar.
No país do futebol e do mensalão, na terra ilhada em meio ao mar de lama, não é só o presente que não chega pra quem precisa no dia da criança. A comida não chega. A cama confortável não chega. A roupa em bom estado não chega. O acesso à saúde não chega. A educação chega, mas raleada pela falta de investimentos, assunto que conhecemos bem.
A criançada não está exposta aos brinquedos e à alegria. A meninada, em cada bairro, vive em um cenário onde reina a desesperança, a violência, a carência.
O comércio pode até comemorar o Dia das Crianças. Algumas famílias, também. Mas creio que, na maioria das casas, onde o brinquedo não chega e a comida é pouca, Dia das Crianças significa apenas feriado. Feriado daqueles em que a mãe aproveita para dar uma faxina e o pai vai para o bar beber. A molecada fica na rua e corre, e brinca, sem saber que tem direito a muito mais do que lhe é disponibilizado.
Enquanto isso, na memória, fica o menino que teve de ser enterrado descalço. Um garoto que se despediu da vida e mesmo na morte foi vítima da miséria. Enterrado sem sapatos.
Glenda Cury é editora de Geral e escreve neste espaço às quartas-feiras
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