28.01.2017 | 00h00
Nesta semana presenciei uma conversa na qual um dos interlocutores, experiente e respeitado jornalista, comentou acerca de uma pessoa pública, cogitada para ascender a um cargo de maior expressão: ‘Ele tem um grave defeito: é um cidadão correto e sua honestidade pode ser um empecilho. Vão tentar barrá-lo por causa disso.‘
A frase me chocou, principalmente porque desnuda uma realidade perversa na vida pública brasileira e está amparada em diversos exemplos municipais, estaduais e federais.
Nos tempos atuais, a honestidade de atitudes, a correção de propósitos e a sinceridade de opiniões não esculpem degraus para os homens e mulheres de bem alcançarem posições de destaque, nas quais possam adotar decisões pautadas no interesse público. Ao contrário, tais qualidades são vistas como defeitos e erigem obstáculos quase intransponíveis, que limitam suas carreiras e podam seus potenciais de realização profissional.
A probidade é tida por vaidade: ‘pensa que é melhor que os outros‘.
A sinceridade é tachada de grosseria: ‘não precisava ser tão direto‘.
A transparência de opiniões é condenada como exibicionismo e a coerência de posicionamento como autossuficiência: ‘só quer aparecer‘ e ‘acha que sabe tudo‘.
O respeito a normas legais e a padrões éticos de conduta é rechaçado como preciosismo, ‘frescura‘ ou ‘falta de razoabilidade‘: ‘podia ter flexibilizado a interpretação normativa‘.
A firmeza de princípios e a lealdade às instituições são reputadas como intransigência: ‘se tivesse boa vontade, encontrava um jeitinho‘.
Esse fenômeno de inversão de valores permeia os mais diversos setores de atividade: esporte, cultura, academia, política etc. No futebol, frequentemente o atleta disciplinado é desprezado e colocado na reserva de brucutus que abusam de lances violentos e desleais contra os jogadores da equipe adversária. Na burocracia universitária, é mais fácil ascender pelo conformismo do que pela inovação crítica. No mundo artístico, é costume reservar alguns dos melhores papéis aos favoritos dos poderosos, postos que não exigem maestria interpretativa, mas bajulação ostensiva.
Quanto à política, bem, as revelações da Operação Lava-Jato, Calicute, Ararath e outras indicam que, durante um bom tempo, um requisito quase obrigatório para ocupar cargos elevados em algumas funções estatais era a habilidade de articular-se com organizações criminosas e a aptidão para desviar recursos públicos visando enriquecimento pessoal ou financiamento eleitoral. Privilegiaram-se personagens cuja estatura moral e intelectual remete aos romances de Eça de Queirós - o conde de Abranhos, o conselheiro Acácio, o comendador Raposo e o cônego Dias - ou, ainda, ao inesquecível Palhares das crônicas de Nelson Rodrigues.
E assim,sabota-se o desenvolvimento do país, dos estados e das cidades, desperdiçando a capacidade das pessoas íntegras contribuírem com seus talentos para uma vida melhor para sua comunidade. Algumas ficam frustradas, outras terminam por sucumbir às pressões e há também aquelas que procuram ocupar-se atuando em outras áreas, como no voluntariado, onde os interesses envolvidos são menores e não despertam resistências significativas.
A boa notícia é que isso está mudando e, coletivamente, estamos evoluindo e amadurecendo. Diz o Evangelho: ‘Nada há de oculto que não venha a ser revelado‘ (Marcos: 4,22); e ‘Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará‘ (João: 8,32). Creio que o que está sendo revelado aos brasileiros sobre os subterrâneos podres de eleições e de nomeações há de, finalmente, nos libertar da corrupção e da hipocrisia.
Tem razão o veterano jornalista que citei na abertura: ainda haverá tentativas de barrar a ascensão de nomes honrados. No entanto, como cantava Cazuza, ‘ainda estão rolando os dados‘ e está próximo o dia em que a honestidade não mais será um defeito, mas uma obrigação, que para as pessoas de bem será um fardo leve e um jugo suave.
Luiz Henrique Lima é conselheiro substituto do TCE-MT.
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Graci Ourives - 30/01/2017
Dr.Lima, parabéns pelas verdades. Atualmente algumas pessoas, Cruelmente , ao ocupar uma cadeira: usa o "poder" para humilhar o próximo . Mas, a verdade queima como fogo. Escritora Graci Ourives de Miranda
Graci Ourives - 30/01/2017
Parabéns! Lima, este fato ocorre com algumas "áreas", fazem "livros" que abordam na maioria só os "poderosos " que são detentores da "chave do cofre ". Talvez por este motivo, não abordavam a história das Mulheres e suas lideranças no estado de MT. As Mulheres estão assumindo atualmente com relevância, mais elas já ocupavam os espaços, porém os historiadores calaram?. Escritora Graci Ourives de Miranda.
Benedito Carlos da Silva - 29/01/2017
Não faço a menor ideia de quem quer que seja essa Jornalista mencionada nesta Reportagem, porém, faço das suas palavras as minhas, por experiência própria no mercado de trabalho do Setor Publico. Infelizmente o Brasil vive da ideologia: Faça o que eu mando e não faças o que eu faço; uma verdadeira hipocrisia quando se prega a honestidade e a probidade no ambiente de trabalho infestado pela total influência dos Políticos e siglas Partidárias.
luis fernando de barros cardoso - 28/01/2017
Parabéns conselheiro pelo excelente artigo.Me faz lembrar o que a todo momento tentam fazer com o nosso estadista e governador Pedro Taques.
4 comentários