08.10.2025 | 12h25
Divulgação
A Lei nº 14.478/2022 (conhecida como “Lei das Criptomoedas”) estabeleceu no Brasil as diretrizes para a regulação dos Prestadores de Serviços de Ativos Virtuais (VASPs), incluindo exchanges de criptomoedas. Essa norma determinou que tais empresas só poderão operar mediante autorização prévia do Banco Central do Brasil — e as sujeitou a requisitos operacionais e de supervisão que ainda carecem de plena regulamentação.
Embora a exigência de licenciamento formal ainda esteja em fase de implementação (o Banco Central realizou consultas públicas em 2023 e 2024, e a regulamentação definitiva é esperada para 2025/2026), a Lei 14.478/22 já impôs deveres legais de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo (PLD/FT).
Em especial, essa lei alterou a Lei nº 9.613/1998 para incluir expressamente os prestadores de serviços de ativos virtuais entre os sujeitos obrigados às normas de PLD/FT.
Com isso, as exchanges de criptomoedas passaram a figurar no art. 9º da referida lei, sendo equiparadas a instituições sujeitas a maior vigilância quanto à lavagem de dinheiro, e passaram a ter os deveres legais de identificar e manter registros de clientes e operações, inclusive envolvendo criptoativos; comunicar ao COAF operações suspeitas; e implementar políticas e sistemas internos de compliance para assegurar a conformidade normativa.
Além disso, a Lei 14.478/22 alterou a Lei nº 7.492/1986 (que trata dos crimes contra o sistema financeiro) para incluir as VASPs como instituições equiparadas às financeiras, sujeitando seus dirigentes às mesmas responsabilizações penais e administrativas do setor tradicional.
Em resumo, mesmo antes da concessão formal de licenças pelo Banco Central, a moldura jurídica brasileira já enquadra os prestadores de serviços de criptoativos nos regimes legais de PLD/FT.
As autoridades regulatórias brasileiras vêm sinalizando alinhamento com os padrões internacionais de AML/CTF (anti-money laundering / counter terrorist financing), conforme preconizado pelo GAFI/FATF.
O Banco Central do Brasil, designado como o regulador das VASPs, já declarou que a regulamentação será faseada e baseada em risco, em linha com as diretrizes internacionais. Em consultas e comunicados oficiais, a autoridade monetária tem destacado a importância da segurança, governança, transparência e abordagem por riscos nesse mercado. Assim, a adoção de políticas de conhecer o cliente e adotar práticas antilavagem de dinheiro (KYC/AML) é tratada como um pré-requisito natural para a futura autorização.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por sua vez, esclareceu em seu Parecer de Orientação nº 40/2022 que somente regula criptoativos que se enquadrem como valores mobiliários. Quando não for o caso, aplica-se o regime geral dos ativos virtuais. A CVM tem atuado em coordenação com o Banco Central para lidar com áreas de sobreposição regulatória, como stablecoins com funcionalidades híbridas de pagamento e investimento.
Já o COAF, responsável por receber comunicações de operações suspeitas, espera que as VASPs se cadastrem e reportem transações atípicas, nos mesmos moldes das instituições financeiras. O Projeto de Lei nº 4932/2023 — resultado da CPI das Pirâmides Financeiras — aprovado na Câmara dos Deputados em novembro de 2024, determina expressamente que, até a regulamentação definitiva, exchanges devem cadastrar-se no COAF, identificar clientes e adotar controles internos compatíveis com seu porte.
Assim, mesmo antes da autorização formal, há orientação clara para que as VASPs adotem desde já mecanismos efetivos de PLD/FT.
Enquanto a regulação estatal avança, o mercado brasileiro de criptoativos tem se antecipado por meio da autorregulação.
A ABCripto (Associação Brasileira de Criptoeconomia) estabeleceu códigos de conduta e regras de autorregulação em PLD/FT para seus associados, espelhando os princípios das leis vigentes e das diretrizes dos reguladores. Tais códigos abrangem políticas de KYC, monitoramento de transações, identificação de beneficiários finais e cumprimento da "Travel Rule" do GAFI.
Essas práticas são baseadas em normas como a Lei nº 9.613/98, a Lei nº 13.810/19 (sobre sanções internacionais), a própria Lei nº 14.478/22, e em diretrizes do COAF, Banco Central e CVM.
O Censo da Criptoeconomia 2023, realizado pela ABCripto, revelou que 100% das empresas pesquisadas possuíam algum tipo de estrutura de compliance. Destas, 59% já contavam com núcleos internos dedicados à PLD/FT, além de estruturas terceirizadas e auditorias externas.
A Instrução Normativa RFB nº 1.888/2019, da Receita Federal, também impulsiona a implementação de KYC, ao exigir o reporte mensal de operações com criptoativos por parte das exchanges.
Exchanges nacionais de destaque, como Mercado Bitcoin, Foxbit e Bitso, divulgam publicamente seus programas de compliance e investem em equipes especializadas. A própria ABCripto declarou que sua autorregulação apenas formalizou condutas que o mercado já adotava na prática.
O Poder Judiciário já reconheceu a relevância das obrigações de PLD/FT para exchanges, mesmo antes da regulação formal.
Em 2018, o STJ decidiu que bancos podiam encerrar unilateralmente contas de corretoras de criptoativos, por entender que o modelo operacional à época impedia o cumprimento adequado das normas de lavagem de dinheiro. A decisão, embora polêmica, evidenciou o vácuo regulatório que existia e a percepção de risco pelos bancos.
Já a CPI das Pirâmides Financeiras, em 2023, revelou o uso de exchanges para esquemas fraudulentos e evasão de divisas.
Como resposta, propôs o PL nº 4932/2023, que impõe obrigações imediatas de PLD/FT mesmo sem licenciamento oficial.
No âmbito criminal, operações policiais e investigações têm demonstrado a colaboração crescente das exchanges com as autoridades. Juízes já determinaram bloqueios de wallets e fornecimento de dados de usuários — algo só possível mediante estrutura prévia de KYC.
Consensos e Divergências entre os Atores do Mercado
De modo geral, há consenso entre reguladores, legisladores e os principais players do mercado quanto à necessidade de cumprimento das obrigações de PLD/FT pelas VASPs, mesmo antes da regulamentação formal.
A postura proativa da ABCripto, o apoio do Banco Central e os avanços legislativos refletem essa convergência.
Contudo, plataformas estrangeiras ou descentralizadas que não adotam políticas rigorosas de KYC ainda representam vulnerabilidades, atraindo usuários em busca de anonimato — e também a atenção de autoridades.
Essas divergências trazem riscos reputacionais para o setor, e reforçam a importância de uma regulamentação robusta e igualitária.
Mesmo sem a exigência de licença formal em vigor, as VASPs que operam no Brasil já estão legalmente obrigadas a cumprir normas de PLD/FT.
O arcabouço legislativo, os posicionamentos dos reguladores, os projetos de lei em tramitação e as práticas voluntárias do mercado apontam para um único caminho possível: operar com altos padrões de compliance desde já.
Empresas que ignorarem esse cenário correm risco crescente de perder acesso ao sistema financeiro, enfrentar investigações e sanções, e ver sua reputação abalada. Por outro lado, aquelas que se anteciparem à regulamentação formal poderão ocupar posição de destaque em um mercado cada vez mais profissionalizado, transparente e seguro.
Victor Jorge é sócio fundador de Jorge Advogados
Publicidade
Publicidade
Milho Disponível
R$ 66,90
0,75%
Algodão
R$ 164,95
1,41%
Boi à vista
R$ 285,25
0,14%
Soja Disponível
R$ 153,20
1,06%
Publicidade
Publicidade
O Grupo Gazeta reúne veículos de comunicação em Mato Grosso. Foi fundado em 1990 com o lançamento de A Gazeta, jornal de maior circulação e influência no Estado. Integram o Grupo as emissoras Gazeta FM, FM Alta Floresta, FM Barra do Garças, FM Poxoréu, Cultura FM, Vila Real FM, TV Vila Real 10.1, TV Pantanal 22.1, o Instituto de Pesquisa Gazeta Dados e o Portal Gazeta Digital.
É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem a devida citação da fonte.