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cuiabá de antigamente 31.03.2019 | 10h30

Dona Maria relembra tempo em que pessoas conversavam nas praças

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João Vieira

João Vieira

Cuiabá completará 300 anos em 8 de abril de 2019. E por mais que a data, o ano, ou o local onde a cidade começou - se no Coxipó do Ouro ou no São Gonçalo Beira Rio - sejam temas cada vez mais divergentes entre historiadores, artistas e pesquisadores, uma coisa é certa: a "Terra de Dom Aquino" é repleta de hospitalidade, religiosidade e de gente humilde.

 

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E tudo isso pode ser traduzido em várias personalidades ou qualquer pessoa desses bairros de nossa capital. Mas principalmente em dona Maria Benedita Martins de Oliveira, a mãe de um dos homens mais importantes para a história do Brasil, o ex-governador e constituinte Dante de Oliveira, que ficou eternizado na política brasileira como o "Homem das Diretas Já!".

Aos 97 anos, dona Maria de Oliveira diz que já não tem saído tanto pelas ruas de Cuiabá. Mãe de 7 filhos, 17 netos e 32 bisnetos, dona Maria é uma das principais personalidades da cuiabania.

 

Arte 300 anos

 

Viúva do advogado Sebastião de Oliveira, conhecido como “Doutor Paraná", desde 2004, dona Maria reside há 60 anos em Cuiabá. Natural de Poconé, chegou em Cuiabá para morar na rua 13 (13 de Junho), porém, mudou-se para a atual residência e permanece até hoje.

 

Logo que chegamos em sua residência, na manhã de uma terça-feira do final de janeiro, na única casa da tradicional avenida Isaac Póvoas, tivemos que aguardar um pouco, já que dona Maria estava concluindo a sua novena.

 

Casa simples, com muitas pessoas, fotografias antigas e plantas. Minutos depois fomos convidados à sala da casa, onde dona Maria nos aguardava para conversar um pouco sobre a cidade.

 

Com a voz baixa, dona Maria nos contou sobre a sua chegada na cidade, sobre o seu casamento com doutor Paraná e sua vivência no meio da política e das famílias tradicionais da cuiabania.

 

Saudosista, dona Maria de Oliveria lembra dos tempos de tranquilidade que a capital mato-grossense vivia, com as famílias sentadas em suas cadeiras nas calçadas, as crianças brincando na rua, onde só se escutava os barulhos das conversas, brincadeiras e risadas.

"O que falta é essa tranquilidade de volta. Isso acabou com a insegurança. Hoje as pessoas não vão mais nas praças, não ficam na porta com medo de ser assaltada", lembra com o olhar distante, parecendo que as imagens daquele tempo passassem em sua frente.

 

João Vieira

Dona Maria, mãe de Dante

 Parede da casa

Ela também fala das visitas entre as famílias e dos casarões do Centro Histórico, que hoje estão abandonados. "É preciso que os políticos não deixem tudo isso acabar. É a nossa história ali", reclama.

Dona Maria espera que nos próximos anos, essa convivência entre os moradores, com visitas e passeios em praças, ou a boa conversa na porta de casa, seja uma realidade tão grande, quanto eram nas décadas de 60,70 e 80 do século passado.

 

Confira os principais trechos da conversa:

 

Gazeta Digital - A senhora nunca assumiu cargo público, mas sempre teve dentro de casa pessoas expoentes na política, com o Doutor Paraná como deputado e influente na advocacia, com Dante no governo e o seu neto, Leornado Oliveira, como vereador. Como foi e como é conviver com tudo isso?

 

Dona Maria - Nós morávamos em Poconé. Antes de casar eu assumi o magistério, mas muito pouco tempo. Casei e vim embora pra Cuiabá e não assumi cargo nenhum. Fiquei como dona de casa. Cuidando dos filhos.

 

GD - E como foi viver nesse meio com essas pessoas tão influentes para política cuiabana?

 

Dona Maria - Me dava muito bem com todos. Minha mãe era política, política mesmo e era professora, tinha muito preparo e era muito política. E eu acompanhando aqui, porque o marido era político também, né. Foi deputado estadual. Mesmo com essas intensidades da crise política eu sempre o acompanhava. Nas campanhas políticas, saia por toda parte. Uma época que doutor Silvio Curvo foi senador, eu saía também. A minha vida foi essa no meio dos políticos.

 

GD - E como era fazer campanha em Cuiabá nessa época?

Dona Maria -  Nas campanhas a gente saía, fazia reunião numa casa, noutra, em bairros. Era uma campanha de boca a boca mesmo. Hoje, nem dá apra andar muito e já é roubado.

 

GD - Qual a lembrança mais forte que a senhora tem da Cuiabá do passado?

Dona Maria - Cuiabá era uma cidade mais calma. Não se preocupava com assalto, com nada. Até quando eu morei ali na rua 13, era mais calmo. As crianças brincavam na rua, escondia num posto que tinha ali na rua 13. Era uma vida bem mais tranquila. As meninas mocinhas iam a pé e voltava. Nove horas (21h) tava todo mundo em casa. Não tinha essa preocupação de assalto, era bem mais calmo. A gente lembra que era bem mais calmo, mais tranquilo.

 

João Vieira

Dona Maria com uma das filhas

 Dona Maria e uma das filhas

GD - A senhora participava das festividades da cuiabania?

Dona Maria - Não era só nas festas. A gente era muito amiga das famílias. Visitava sempre. Ali no Centro Histórico tinha casas de famílias com relacionamento, amizade com quase todo o povo. As famílias eram muito grande. E a gente sempre reunia pra fazer visita, pra conversar, não era só em festa não. Nós íamos muito lá, levávamos as crianças. Eram casas muito alegres e muito bem cuidada. Era um povo alegre, ria e falava alto. Um povo que chamava atenção. Foi uma grande tristeza deixar essas casas caírem, ficarem abandonadas. Acho que foi o máximo do absurdo não cuidarem dessas casas.

 

GD - Qual é a sensação ao ver várias casas abandonadas (casas históricas). O que falta para mudar essa dura realidade?

Dona Maria - Eu acho que falta o prefeito, o governador, cuidarem melhor desse local. Muito mais a prefeitura né. Porque nós estamos com muita casa abandonada. Parece que a gente não tem nem mais esperança. Tinha um casarão ali em frente a igreja Senhor dos Passos. Mamãe contava que era uma casa muito bonita. Aí foi ficando, a família foi indo, morre um, morre outro. Tinha impressão que eles não tinha também muito recurso. Tá lá abandonada.
Aí virou livraria. Era uma livraria de Pepe. Tinha dona Nair que a irmã dela que era fanática pelo Mixto. Agora a casa caiu, uma tristeza que só.

 

GD - A senhora acha que ainda é possível resgatar tudo aquilo?

 

Dona Maria: Se achar uma pessoa que tenha força mesmo (político). Acho que ainda pode. Mas não é fácil.

GD - A senhora chegou a falar que chegou a morar na rua 13. Por quanto tempo a senhora morou ali?

 

Dona Maria: 15 anos. Aí depois viemos para cá.

 

GD - E a senhora continuou morando praticamente no centro da cidade. E essa aqui é uma das principais avenidas de Cuiabá. Como é viver aqui? Nunca teve vontade de sair? Por causa do barulho da noite?

 

Dona Maria: Ah, mas eu me acostumei aqui. Não quero sair.

 

GD - Quanto tempo a senhora mora aqui?

 

Dona Maria: quase 60 anos. 

 

GD - E como foi ver Cuiabá crescendo e se tornar essa grande cidade?

 

Dona Maria - Quando nós mudamos pra cá, aqui não tinha asfalto. Essa praça aí (aponta para a praça Rachid Jaudy) era um cantar de sapo, árvores. Ai devagar foi crescendo, veio o asfalto. Quando Vuolo foi prefeito pôs uma feira nessa praça. Me lembro que ele veio aqui, nós estávamos tudo sentado na porta. Naquele tempo sentava porta. Aí ele chegou e falou: a feira vai continuar aqui quer queira, quer não a feira vai ser aqui. Falei: senhor prefeito, desde que tenha limpeza na feira não tem problema. Porque deixam aí podre (risos).

 

GD - A senhora mora próximo do Mercado Municipal. Como que era o local, já que hoje está praticamente abandonado.

 

Dona Maria - Tinha muito mais movimento, né. Não tinha esses grandes supermercados. Depois veio os supermercados grandes, e foi diminuindo o movimento. Mas esse mercado precisava fazer uma arrumação porque tá muito abandonado. Cada prefeito que entra diz que vai arrumar, mas não arruma nada.

 

GD - E quais aspectos que para a senhora acha que Cuiabá melhorou?

Dona Maria - Eu quase que não saio, então fica difícil falar.

 

GD - Mas pelo seu conhecimento, o que senhora acha que precisa para Cuiabá poder avançar?

 

Dona Maria - Eu acho que a primeira coisa que Cuiabá tinha que ver era a segurança. Fazer as praças bonitas, onde a família pode sentar porque hoje o povo tem medo. Vai numa praça acha um bandido lá. Primeiro, tem que ver a segurança e depois melhorar essas praças pro pessoal reunir fazer alguma coisa de distração pro povo.

 

GD - A senhora acha que com o tempo a família cuiabana perdeu esse espaço de ficar na porta, com as crianças na rua?

 

Dona Maria - Perdeu muito, de vez. Antigamente você sentava na porta, mas hoje se sentar já vem revólver na cabeça. Aí o povo fica apavorado ninguém quer mais.

 

GD - O que a senhora mais sente falta de Cuiabá, que não tem mais?

 

Dona Maria - Na idade que eu estou, para a minha idade, está tudo bem. Mas sinto falta do movimento, com visitas. Porque hoje quase que ninguém mais faz visitas. Mas antes as famílias, amigos, os governadores, prefeitos, os políticos saíam visitando as famílias e casas. Por exemplo, eu e meu marido, doutor Gigi, Garcia Neto fazia reunião a noite e ficávamos lá a noite toda conversando. Tinha relacionamento mesmo. 

 

GD - A senhora acha que com a vinda de pessoa de outros estados, isso foi se perdendo? Como a senhora vê essa mistura de sulistas, paulistas com a cuiabania?

 

Dona Maria - Foi mudando. Tem família que conserva, mas é muito diferente. Hoje tem pessoa, vendo jornal, não conheço ninguém. 

 

João Vieira

Dona Maria, mãe de Dante de Oliveira

Dona Maria com a foto dos filhos

GD - A senhora acha que as famílias cuiabanas foram perdendo espaço na política?

 

Dona Maria - Parece que foi. Não é que perdeu espaço, é que chega muita gente de fora. Mas nós temos que integrar, trouxeram pra nós coisas boas. Mas hoje, cuiabano é minoria na política. Nós somos entrosados com eles. Cuiabano hoje acho que já tá diminuindo mesmo. Você vê hoje os deputados, a maior parte é de fora.

 

GD - Hoje nós temos alguns locais que são considerados turísticos em Cuiabá. Igrejas, casarões. O que a senhora acha que falta? A região do Porto era frequentada, como era essa época?

Dona Maria - No Porto a única coisa que eu lembro é que eu namorei meu marido. Nós ficávamos sentados no jardim do Porto. Eu, ele, doutor Gervásio Leite. Nós íamos lá de ônibus porque nenhum dos dois tinha carro. Sentava no jardim pra conversar tranquilo. Hoje se é sentar lá, só tem bandido.

 

GD - E as festas em Cuiabá? Tinha o clube Dom Bosco, a senhora chegou a frequentar?

 

Dona Maria - Clube Dom Bosco eu frequentava também. Eu ia, assim como no Clube Feminino. Tinha muito movimento. De vez enquanto tinha umas brigas, mas não era tanto como hoje.

GD - E os carnavais? As festas de Santos?

 

Dona Maria - Carnaval é uma coisa que eu não vou. Eu ia com meu marido nos bailes bem zangada. Os outros bebiam e eu não suporto bebida. Eu ia, mas não gosto de carnaval. Já das igrejas sempre eu estava. Reunião de senhoras, missas, nessas coisas sempre eu estava.

 

GD - A senhora veio pra cá com quantos anos de Poconé pra Cuiabá?

 

Dona Maria - Primeiro eu vim estudar. Terminei o meu estudo com 16 anos e voltei. Aí depois que eu vim mesmo já tinha 21. Casei lá em Poconé com 21 anos e vim pra cá.

 

GD - a senhora estudou em qual escola?

Dona Maria - Escola Nonato Pedro Celestino. Ali naquele prédio que tinha lá na Catedral. Em baixo era a escola modelo Barão de Melgaço e em cima era escola Pedro Celestino. Era uma escola com professores mesmo. Lino Póvoas, Cesário Neto.

 

GD - A senhora acompanhou o seu Paraná que foi deputado. Como era essa época? As pessoas cobravam muito dos políticos? E depois também veio o Dante. Como era ser esposa de um político naquela época e já nesse processo mais recente ser mãe de um governador?

 

Dona Maria - Pois é, Paraná mexia muito com política. Dante desde pequeno já mexia nessas coisas que tinha e gostava. Depois Paraná parou um pouco. Primeiro ele foi, quando ele era solteiro, prefeito de Santo Antonio. Aí depois quando Dante terminou estudo no Rio, ele veio para ser candidato a vereador, mas nós não queríamos que ele mexesse com política. Ninguém ajudou ele em nada. Depois quando viu que ele queria mesmo ser político nós ajudamos.

 

GD - E quando ele foi prefeito, numa época difícil pro país. A senhora dava pitacos, cobrava ele?

 

Dona Maria - A gente colaborava com informações pra ele e ele trabalhou muito. Ele era um político nato. Depois ele se candidatou para governador, ganhou e trabalhou mais ainda. Quando estava no último ano de governo ele tinha mais de 70% de aprovação. Ele candidatou ao Senado e não ganhou. Mesmo com toda aprovação dele. Por isso, não gosto muito. Muita ingratidão. Porque ele trabalhou muito. Ele mudou quanta coisa, ele fez . Faz uma campanha bem pensada e pesada contra ele. E o eleitorado você já viu como que é.

 

GD - E a senhora tem também um neto, o Leonardo de Oliveira.

 

Dona Maria - Leonardo eu tinha certeza que ele ia ser eleito agora. Mas infelizmente não.

 

GD - A política mudou muito dona Maria...

 

Dona Maria - E esse homem que apareceu de repente e é presidente da República (Jair Bolsonaro). E está pegando muito pesado.

 

GD - E como a senhora vê isso? Cuiabá vai fazer 300 anos e tem um presidente, digamos, que inexperiente. Qual é sua avaliação com relação ao inicio do governo?

 

Dona Maria - Eu me preocupo. Deus queira que ilumine ele. Ainda mais que já começou o governo com tanta coisa triste, essa história que aconteceu em Minas é uma tristeza (Brumadinho). Vamos ver o que ele vai ser capaz de fazer.

 

GD - Cuiabá dia 8 completa 300 anos. O que a senhora espera, principalmente, porque a senhora tem netos, bisnetos.

 

Dona Maria - Espero que eles mudem a mentalidade. Deixar de fazer negociata, melhorar a cidade. Porque hoje é tanta negociata que fazem. É dinheiro pra cá, pra lá. Espero que eles tomem conta dessa cidade, melhorando as casas velhas, dando mais alegria pro povo. Antigamente os prefeitos saíam sem nada. Hoje saí rico.

 

GD - A senhora acha que a política virou um negócio?

Dona Maria - Sim. Virou isso, mas tem muita gente ainda que quer o bem.

 

GD - Hoje Cuiabá tem um prefeito que é de família tradicional na política, que é o Emanuel Pinheiro (MDB)...

Dona Maria - O pai dele era deputado estadual. Só por ele ser cuiabano ele tem que fazer um esforço e melhorar Cuiabá e deixar o nome dele aí bem no alto.

 

GD - Queria que a senhora deixasse um recado para todas as pessoas de Cuiabá. O que vem na mente da senhora quando a senhora pensa em Cuiabá?

Dona Maria - Eu espero que Cuiabá melhore, fique mais calma, mais tranquilidade. Onde o povo possa estar sempre em contato um com outro, melhore a cidade, melhore o sistema de luz, água/esgoto, de fiscalização em todas as repartições. Melhorar a segurança, o que mais precisa é o policiamento pro povo ter essa liberdade de passear. Se conseguir colocar Cuiabá nessa tranquilidade, a gente já tá feliz.

 

GD - E sobre a comida cuiabana, o que a senhora gosta de comer?

Dona Maria: Eu não sou muito de cozinhar. Eu gosto de arroz feijão, carne. Peixe eu como, mas não sou muito fã. Prefiro as comidinhas simples (risos).

 

Leia mais sobre a 'Dona Maria' na coluna Fogo Cruzado

 

 

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