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mentira, agiota e golpe em familiares 18.10.2025 | 13h32

Ex-viciado em apostas celebra 'cura' após 50 anos; 'perdi R$ 5 milhões e minha vida'

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Silvano Costa - Especial para o GD

redacao@gazetadigital.com.br

Luiz Leite

Luiz Leite

Quando acordou no dia 1º de outubro, o cuiabano Eduardo*, 64, teve motivos para comemorar. Pela primeira vez em mais de 5 décadas, ele completou 60 dias sem apostar. O feito é inédito para alguém que começou a colocar dinheiro em jogos de azar como brincadeira, ainda criança, por influência de familiares, e desde então nunca mais parou.

 

Com o tempo, o jogo foi consumindo mais e mais da vida de Eduardo. Ele disse ao que não tem ideia de quanto dinheiro perdeu ao longo dos anos, mas que “com certeza foram mais de R$ 5 milhões”. Porém, o maior prejuízo não foi financeiro.

 

“Por várias vezes eu roubei, enganei, menti para poder jogar, principalmente para minha família. Eu perdi dois relacionamentos, dois casamentos, tive duas filhas e continuei jogando", ele relatou.

 

Hoje, Eduardo tem a convicção de que desperdiçou sua adolescência e juventude com o vício em apostas.

 

De outra geração, sua relação com a aposta sempre aconteceu no ambiente presencial, nunca virtual. A questão é antiga no Brasil, mas ganhou força nos noticiários dos últimos meses diante da expansão das chamadas “bets” (casas de apostas online), inclusive por meio da atuação de influenciadores digitais.

 

Um estudo do Banco Central mostrou que entre janeiro e março deste ano, apostadores destinaram até R$ 30 bilhões por mês às bets. Nas redes sociais, a promoção indiscriminada de casas de apostas e jogos (como o Tigrinho) gerou operações policiais e até uma CPI no Senado.

 

Eduardo, nada familiar com esse mundo virtual, teve sua vida mudada numa tarde de sábado qualquer. Depressivo, ele desabafava com um amigo sobre o desejo e a incapacidade de largar o vício. O amigo, ouvindo atento ao relato, falou sobre um grupo online de acolhimento, uma espécie de Alcoólicos Anônimos para apostadores. Eduardo, mesmo cansado de tentar das tentativas frustradas de deixar a dependência, decidiu participar.

 

Lá, ele ouviu histórias semelhantes à sua. Gente comum, como ele, que havia perdido tudo por conta das apostas, vidas destruídas pelo jogo.

 

Com o apoio do que chama de “irmandade”, Eduardo foi deixando o vício de lado e a abstinência não o consome mais. A batalha é diária, como ele diz, mas agora uma luz no fim do túnel lhe mostra que outro caminho existe. “É um renascimento”, destacou.

 

“O jogo destruiu minha juventude, meus relacionamentos, mas sobrou minha vida, e é disso que estou cuidando hoje”, comemorou.

 

“Me tornei outra pessoa”
Na noite da última quarta-feira, Eduardo recebeu em sua casa alguns ex-apostadores compulsivos para uma nova reunião do grupo de acolhimento. Ele iniciou uma chamada online para a participação de pessoas de outros estados. Do outro lado da linha, em São Paulo, Roberta**, 30, atendeu.

 

Ela conheceu as bets em 2021, por amigos. “Parece inofensivo,” ela pensou de início. Até conseguiu ganhar um dinheiro no primeiro depósito. Ela chegou a calcular o valor ganho nas apostas era maior do que o que recebia no trabalho formal. Mas rapidamente os ganhos viraram perdas e o ato de apostar se tornou compulsão.

 

No começo, Roberta apostava valores baixos, mas foi aumentando com o tempo. A cada depósito, o dinheiro perdido era um pouco maior. Primeiro, em busca de recuperar parte do montante, ela recorreu a empréstimos e ao saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

 

Quando não conseguia mais pegar empréstimos em seu nome e o FGTS acabou, passou a enganar familiares e recorreu a agiotas.

 

“Manipulei todos eles [da família]. Eu falava que estava tirando apenas uma foto, mas, na verdade, eu estava fazendo reconhecimento facial para pegar empréstimos e fazer cartões de créditos em nome deles”, revelou.

 

Os prejuízos foram muito além dos financeiros. No caos do vício, Roberta desenvolveu depressão e passou a ter constantes surtos psicóticos, a ponto de se afastar do trabalho por 60 dias por problemas mentais.

 

“Eu não queria mais trabalhar, tinha surtos de abstinência no meu serviço. Eu virei uma pessoa irreconhecível. Minha mãe me levava diversas vezes ao hospital de saúde mental. Lá eles me internavam, me dopavam e achavam que eu não jogaria mais. Pois mesmo dopada eu continuava jogando", contou.

 

“Depois eu percebi que [a aposta] não era mais pelo ganho, pelo dinheiro, mas era pelo fato de estar em jogo. Eu me tremia toda, ali parecia que eu esquecia os meus problemas, mas logo após uma grande perda, voltava cada vez pior”, relata.

 

A psicóloga Déborah Bianchin, que trabalha com apostadores compulsivos, explica que a condição relatada tem a ver com o sistema dopaminérgico, isto é, o sistema de "recompensa e prazer" do nosso cérebro.

 

"A gente começa falando do comportamento de apostar e entendendo que existe uma área do cérebro específica que é ativada quando uma pessoa ou indivíduo faz uma aposta. Um comportamento específico vai ativar a área do cérebro que está associada a recompensa e o prazer, e isso vai fazer com que o indivíduo tenha uma sensação intensa de prazer e excitação", destaca.

 

Esse comportamento específico, no caso, é o ato de apostar. Com o tempo, o cérebro passa a associar essa atividade ao prazer, e a sensação causada pelo jogo se torna um vício.

 

“[Com o passar do tempo], apostar para de ser somente sobre o ganho de dinheiro, que inicialmente é uma porta de entrada, e começa a se associar a sensação de bem-estar. Isso vai fazer com que um ciclo de busca constante por novas apostas aconteça. É como se buscar a aposta passasse a ser algo para a pessoa se sentir bem, para ela ter essa sensação de prazer ativado”, explica a psicóloga.

 

Roberta, assim como Eduardo, só conseguiu deixar o vício após conhecer o grupo de acolhimento para apostadores compulsivos. “Sozinho é impossível parar de jogar”, ela sublinhou. Hoje, ela está há cerca de 10 meses em abstinência.

 

"A gente tem uma doença incurável. Eu estou em abstinência, mas a qualquer hora eu posso voltar para destruição”, ela confessa.

 

Psicóloga faz alerta
A psicóloga ouvida pelo citou alguns sintomas aos quais os apostadores, mesmo que casuais, devem se atentar.

 

Segundo ela, os jogadores devem ligar o alerta quando:

A preocupação com a aposta passa a ser constante, atrapalhando a capacidade de concentração em outras atividades;

As apostas passam a envolver valores cada vez maiores;

Há dificuldade em reduzir ou interromper o comportamento de apostar;

Quando o apostador começa a mentir sobre hábitos ou valores apostados para familiares e/ou amigos

 

Bianchin reforça a importância de procurar ajuda quando alguns desses sintomas aparecerem. Ela reforça que quanto antes o apostador buscar ajuda psicológica, mais eficaz será o tratamento.

 

"[Não tratar o vício] vai trazer consequências para várias esferas da vida. A pessoa pode entrar em ciclo de endividamento, isolamento social, conflitos familiares, dificuldade de se relacionar, perda da produtividade no trabalho. O tratamento não tem o objetivo só de interromper o ato de apostar, mas sim de restaurar e reestruturar o equilíbrio emocional e o sentido de controle sobre a própria vida", explica a psicóloga.

 

*Os personagens são descritos com nomes fictícios para preservação das identidades

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