Oncologistas humanizam o olhar sobre o câncer em podcast com relatos reais

Receber um diagnóstico de câncer ainda é encarado por muitas pessoas como uma sentença de morte. No entanto, com os avanços da medicina, uma rede de apoio estruturada e informação transmitida com empatia, esse desafio pode ser vencido. Foi pensando em levar um pouco de tranquilidade aos pacientes e promover a troca de vivências que os oncologistas Giulliano Castiglioni e Gabriel Zanardo criaram o podcast “Do Outro Lado da Mesa – O Câncer por um outro olhar”, que dialoga com convidados como médicos, pacientes e familiares sobre o enfrentamento da doença de forma leve e humana.

“A ideia surgiu para poder mostrar como é o cenário do paciente oncológico, do acompanhante. Porque temos muita informação dentro da oncologia para o médico em si, só que falta a vivência para o paciente que acabou de ter diagnóstico de câncer e não sabe como é passar por isso, de ter desfecho positivo. As pessoas acham que vão morrer e não é bem assim”, explica o médico Giulliano

Ele destaca que a ideia do projeto é desmistificar, sem romantizar. "Existe hoje muita informação técnica voltada aos pacientes, mas que fala sobre incidência, fatores de risco, tipos de tratamento. O que falta é a pessoa entender que aquilo que ele está sentindo, angústia, dor, aflição e medo, é normal e outros que outras pessoas já passaram por aquilo sentiram o mesmo. É um canal de troca”, acrescenta Gabriel Zanardo.

O nome “Do Outro Lado da Mesa” reflete a vivência dos médicos que, literalmente, já estiveram do outro lado na identificação da doença. Gabriel perdeu a avó para o câncer de colo de útero quando tinha apenas 3 anos. Já o pai teve o pulmão acometido pela patologia e faleceu aos 54 anos. A mãe de Giulliano está concluindo o tratamento contra o câncer de mama e foi o próprio filho quem fez o diagnóstico, pouco após concluir sua residência em oncologia.

“Apesar do meu pai ter falecido, aprendemos muito com isso e a aproximação que tive com ele no fim de sua vida foi uma aproximação mais pura de pai e filho, sem preconceitos. Algo muito marcante nessa história foi que, dias antes dele morrer, eu perguntei o que ele mais sentia vontade de fazer e ele disse que queria comer uma macarronada e sentir o gosto do macarrão. Ele comeu e se deliciou. Dois dias depois ele foi internado e morreu, mas isso mostra que as pequenas coisas dão valor à vida”, relembra Gabriel.

Essas experiências pessoais foram decisivas para que ambos seguissem a medicina. “Dá pra fazer a diferença ao paciente, não simplesmente ser um quimioterapeuta”, ressalta o oncologista Gabriel.

A vida sob novo olhar 

Giulliano reforça que o câncer transforma a forma de enxergar a vida. “Essa mudança de chave que o câncer traz para quem vivencia, seja paciente ou familiar, é o que tentamos trazer. Aqueles sonhos que as pessoas têm de querer comprar uma casa, um carro, aqueles sonhos muito grandes, você começa ver que isso não traz tanta felicidade como prolongar sua vida, ver um neto nascer, um filho se formando”, reflete o médico.

Quando precisou dar o diagnóstico à própria mãe, Giulliano sentiu o impacto de “tirar o jaleco e ser filho”. O médico conta que passou a pensar num protocolo de diagnóstico mais empático, mais leve, para o paciente digerir a informação e conseguir batalhar contra a doença.

Os programas 

O podcast, que estreou em dezembro de 2024, já conta com 11 episódios disponíveis no YouTube e Spotify. Entre os convidados estão as mães dos próprios médicos, onde uma narra a experiência de acompanhar o esposo no tratamento e a outra relata ter sido diagnosticada; o humorista Kabeça Pensante, cuja mãe enfrenta um câncer de intestino, e o também humorista Xômano Que Mora Logo ali, sobrevivente de um tumor. O programa já recebeu também a primeira médica a realizar cirurgia robótica em Mato Grosso, uma especialista no tratamento paliativo e até um casal que enfrentou o câncer juntos.

Os episódios são publicados mensalmente, com cortes divulgados nas redes sociais às terças e quintas-feiras. O retorno do público tem sido positivo e os pacientes se oferecem para participar, assim como profissionais da saúde que demonstram interesse em contribuir.

“Todo fim de episódio eu tenho uma sensação de dever cumprido, de passar informação. Você sente uma felicidade de ver como pode melhorar a vida das pessoas e seu próprio atendimento”, afirma Giulliano.

Entre os relatos mais marcantes de suas carreiras estão histórias de pacientes com filhos pequenos. Gabriel lembra de uma mãe que, sem rede de apoio, lutava para seguir o tratamento porque não queria deixar a filha de 9 anos órfã. Já Giulliano recorda de um garoto de 13 anos que levava o pai às consultas por ser a única rede de apoio do genitor.

Questionados sobre qual mensagem gostariam de deixar ao público, os dois recomendam ter bons hábitos para diminuir as chances de desenvolver a doença, mas, caso o diagnóstico chegue, viver bem melhora as chances de cura e a tolerabilidade ao tratamento e efeitos colaterais. Além disso, procurar apoio psicológico, aproveitar as campanhas de outubro rosa e novembro azul para se informar e quebrar o mito de “quem procura acha”. E, claro, assistir ao podcast.

“O diagnóstico, para muita gente, ainda soa como uma sentença de morte e não é. A vida não acaba no diagnóstico”, reforça Gabriel.