02.03.2004 | 03h00
O brilho dos céus parece mais luminoso e a rua Campo Grande, o seu escoadouro. Cinco dias antes de completar 105 anos de vida (9/12/2003), infelizmente, ela veio a falecer. Dedicou, incansavelmente, às cousas da terra. Tarefa iniciada quando ainda aluna da Escola Normal "Pedro Celestino". Tão logo concluiu o curso, Dona Maria de Arruda Müller dedicou-se ao magistério com afinco e entusiasmo, passando por vários estabelecimentos de ensino de Cuiabá e de Poconé. Ampliou o espaço da sala de aula, estendendo-o às páginas de jornal e de revistas, nas quais publicava crônicas, contos e poesias. Numa linguagem fluente e sentimental atraía a atenção dos leitores, que se entreteciam e se informavam com as composições de Mary, Chloé, Vampira, Consuelo, Sara, Lucrécia, Ofélia e Vespertina. Pseudônimos desconhecidos do público atual, mas imortalizados pela sua criadora dona de uma rica produção literária. Obras reveladoras de conhecimento diversificado e um engajamento aos fatos de uma época embalada pelo Grêmio Literário Feminino Mato-grossense "Júlia Lopes". Tal grêmio fizera história e, ao mesmo tempo, narrou uma das mais belas páginas da literatura regional, divulgada pela revista "A Violeta". Dona Maria foi uma de suas fundadoras, bem como a sua maior colaboradora, com narrativas ficcionais, composições poéticas e entretenimentos atinentes à vida social da região. Participante que fora de todo o processo político-social-cultural do Estado, pois, afinal, ela é filha de usineiro (Usina das Flechas) e neta de um grande coronel da política. Viveu o período auge das usinas, que vendia sua produção para a República do Prata, o Paraguai e cidades ribeirinhas do Rio Abaixo. Os coronéis usineiros tinham grande poder político. Com o advento dos anos 30, tais senhores entraram em decadência. Muitos usineiros venderam suas propriedades. Seu pai adoeceu, o que levou o irmão Palmiro a assumir a direção da usina que, em seguida, foi vendida para um grupo de Corumbá.
O Estado era centralizado, enquanto novas forças políticas emergiram-se. A família Müller se destacava com Filinto e Júlio filhos de um membro do Partido Conservador. O próprio Coronel Júlio F. Müller, em 1917, concorreu a vereador por essa agremiação partidária, obtendo apenas 67 votos. Frustrado, abandonou temporariamente a arena político-partidária. Foi diretor da Escola Normal, nomeado prefeito de Cuiabá (1930-33, em substituição ao irmão, Fenelon), chefe de Polícia de Mato Grosso, deputado eleito, indicado para substituir o Capitão Ari Pires no governo do Estado e, dois meses depois, com a instituição do Estado Novo, foi mantido, já como interventor, até outubro de 1945. Foi a época das construções na capital mato-grossense, tais como a Estação de Tratamento de Águas, prédio do Colégio Estadual (Liceu Cuiabano), a avenida Getúlio Vargas, Tribunal de Justiça, Delegacia do Tesouro, Cine Teatro Cuiabá, a ponte Júlio Müller.
Dona Maria de Arruda Müller acompanhou tudo isso. Era, na verdade, a grande entusiasta e incentivadora do marido, o interventor Júlio Müller. Sua vida revela a estreita proximidade com quatro fases políticas distintas: a do avô, coronel Ponce, a do pai, a do marido, a do cunhado (Filinto) e a do irmão, João Ponce de Arruda. Soube retirar delas experiências e conhecimento, que foram traduzidos em textos literários e em exemplos de vida transmitidos aos filhos. Mãe cuidadosa, cuiabana exemplar e escritora extraordinária. Além de poesias e crônicas, escreveu "Família Arruda" (1972) e, em co-autoria com a saudosa Dunga Rodrigues, "Cuiabá ao longo de 100 anos" (1994). Ocupou, com destaque, a cadeira número 7 da Academia Mato-grossense de Letras e era, merecidamente, membro honorário do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso. Por isso e muito mais, Cuiabá e o Estado que a viram nascer e crescer por entre os becos e ruelas cuiabanas te rendem homenagens. No salão nobre da Casa Barão de Melgaço perfilam os acadêmicos de ontem e de hoje. A abóbada celeste está reluzente e Beethoven, em acordes liriais, sob seus dedos se desata, a divina sonata; enquanto a dama maior do Panteão das Letras mato-grossenses acomoda-se nos céus, bem ao lado de sua grande amiga, Dunga Rodrigues, de Lenine Povoas e de tantos outros nomes da cultura regional.
Lourembergue Alves é professor da Unic, membro do IHGMT, ocupa a cadeira número 06 da Academia Mato-grossense de Letras e escreve neste espaço às terças-feiras.
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