O que significa chapa e cruz?

Estávamos em conversas sobre coisas de Cuiabá. Lá pelas tantas alguém pergunta o que quer dizer cuiabano de chapa e cruz. Todo mundo tem uma opinião, mas quando se pede para explicar o que é chapa e cruz a coisa se complica um pouco.

Não contente com as explicações que ouvi andei conversando com outras pessoas de Cuiabá sobre o assunto. Faço um resumo do que encontrei. Começo pelas mais estranhas.

Um disse que décadas atrás as crianças das melhores famílias nasciam na Santa Casa. E que ali as freiras colocavam uma pulseira com um metal para identificá-las. O metal seria a chapa. A cruz seria porque aquela pessoa morreu aqui. Na interpretação desse cuiabano, ele não seria de chapa e cruz porque não nasceu na Santa Casa, "lugar de rico", e sim de parteira.

Um padre disse que chapa era porque se batia uma foto da criança ao nascer e a cruz seria o batizado. Outra interpretação estranha.

Um outro defendeu que chapa identificava a cultura local, como a gastronomia, a música, o linguajar, as crenças. E cruz porque a pessoa morreu aqui. Também não esclareceu o assunto.

Coloquei esses exemplos só para mostrar como variam as tentativas de explicações. Para não encompridar a conversa vou para a explicação mais aceita para a expressão chapa e cruz. Chapa quer dizer quem nasceu aqui, é como se fosse a chapa de identificação de alguém. E cruz é que a pessoa morreu nesta cidade. Faz sentido, mas existem nuances a ser consideradas.

Dou exemplos. Numa conversa com dois cuiabanos com mais de 70 anos alguém alegou que eles não poderiam ser chamados de chapa e cruz. É que, apesar de serem de longa linhagem cuiabana, eles ainda não tinham morrido. A cruz daria a identificação final e, no caso, só poderia ser aplicada em quem nasceu, viveu e também morreu aqui. Continuava a dúvida, portanto.

Mais dúvidas entre os não cuiabanos: alguém nasceu aqui e é filho de mãe cuiabana, mas o pai é de fora. Se esta pessoa morre em Cuiabá, mesmo o pai não sendo daqui, é de chapa e cruz?

Fui atrás do significado da expressão chapa e cruz em autores de livros sobre a cultura local. Nos que pesquisei não encontrei explicação sobre o termo. Talvez porque acham que ela é tão comum que não se precisa de algum esclarecimento.

Tem um doutor em lingüística da USP, Manoel Santiago Almeida, que tem boas pesquisas sobre o linguajar cuiabano. Ele traz uma explicação sobre a expressão chapa e cruz. Escreve que o termo "é usado para designar o cuiabano legítimo que nasceu, vive e pretende morrer na terra natal". E, conclui, que chapa é a certidão de nascimento e cruz é a de óbito.

Aquele "pretende morrer na terra natal" deixa mais uma dúvida. Se uma pessoa que nasceu aqui e é de antiga família cuiabana morre em outra cidade, o termo cruz não poderia então ser aplicado a ela.

Algumas pessoas de Cuiabá disseram que não lembram da expressão chapa e cruz ser falada antes. Que isso é coisa de alguns anos para cá. Que ela apareceu mais forte no final da década de 1960.

Se a informação tiver fundamento talvez o termo tenha crescido localmente no momento que aumentou a chegada de gente de fora. E isso ocorreu para valer lá pelo início da década de 1970.

Além disso, a televisão, que começou em 1968, trouxe modismos dos grandes centros urbanos que vão alterar, em parte, o comportamento local. Frente a essa, digamos, invasão o termo chapa e cruz teria aparecido com mais força.

A reação local com o Muxirum Cuiabano, as poesias de Silva Freire, ou a irreverência de Liu Arruda e suas figuras da antiga Cuiabá talvez dessem base para crescer o uso da expressão chapa e cruz.

Mas, quem sabe, o termo não precisa de explicações, é uma forma, nova ou antiga, de alguém dizer que é daqui, tem orgulho disso, sem se preocupar com detalhes, como alguns colocados atrás.

Alfredo da Mota Menezes escreve em A Gazeta às terças, quintas e aos domingos. E-mail: pox@terra.com.br