09.12.2025 | 13h55
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Eu vinha atrasada subindo a Itacolomi em direção ao consultório. Uma vontade danada de abrir a bolsa, tirar o telefone, o fone, encaixar uma coisa na outra (que o meu é aquele de fio) e clicar no Spotify. Sei nem o que escolheria porque dos podcasts que escuto segunda de manhã cedo os títulos eram “Flávio Bolsonaro candidato - blefe ou realidade?” e o outro “Poderes em crise, quizilas no clã e o horror contra as mulheres”.
Vou chegar neles durante o dia, mas faltando 10 minutos de caminhada pra começar os atendimentos, acharia meio pesado. Música? Talvez fosse o caso, mas teria que escolher com o maior cuidado do mundo porque me acontece o fenômeno de que, quando ouço música nas primeiras horas do dia - se cansada é ainda pior - me grudo com ela por uma semana pelo menos na cabeça. Então não era escolher o que ouvir nos próximos 10 minutos, era escolher no que pensar nos próximos 10080.
Entendesse? Desisti do movimento. Até que quis de novo. Mas tinha esquecido o fone em casa. Foi quando baixei a vista para procurar tudo na bolsa que vi a cena. Era o pé de uma moça que vinha na minha direção. Eu já tinha me dado conta dela há alguns segundos, antes do dilema todo do Spotify. Se eu esqueci de programar o despertador, levantei faltando 20 minutos pra trabalhar, saí sem café da manhã, sem encostar um pente, um protetor solar, uma roupa bem escolhida no corpo, ela
certamente lembrou.
Vinha com um copo de café fumaçando em uma mão, uma bolsa limpinha na outra, sem nenhum, nenhum mesmo, arranhado no couro, um lenço de seda bem-passado preso na alça. Usava um vestido branco, mais bem-passado que o lenço. De linho, que amassa até com uma encostada de asa de mosquito, o cabelo comprido, dividido no meio à perfeição, parecia uma boneca recém saída da caixa.
Os pezinhos (34 no máximo) calçados em sandálias de tiras finas também brancas se aproximavam perigosamente de um cocô de cachorro. Ela na postura de bailarina não olhava pra baixo. Um pé, depois o outro. O cocô lá. Um pé. O outro. Aviso ou não aviso? Precipita-se um moço que anda atrás de mim. Também todo limpinho, todo penteadinho, todo cafezinho na mão, fone sem fio no ouvido.
Ele faz que pare com a mão, ela não para. Ele tenta um movimento mais brusco, ela também não entende. Eles se olham demoradamente, sorriem um para o outro, acho que se conhecem. Não, estão tímidos. Acho que é um flerte. Eu torço por eles. Combinam. Se atrapalham os dois, já nem lembram mais dos restos do cachorro. Ambos pisam. Eu passo direto. Fim. Sei lá, achei que valia contar pra gente agradecer juntinhos que a nossa segunda-feira não começou como a deles. De
nada.
Boa semana, queridos.
Roberta D'Albuquerque é psicanalista, atende em seu consultório em São Paulo e escreve semanalmente no Gazeta Digital e em outros 17 jornais e revistas do Brasil, EUA e Canadá. E-mail: contato@robertadalbuquerque.com.br
Coluna semanal atualizada às segundas-feiras
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