10.07.2006 | 03h00
Até onde a vista alcança, o próximo presidente, seja quem for, terá imensas dificuldades para pôr nos trilhos o trem da coalizão, modelo de governança que reparte a administração com os partidos integrantes da base para garantir sustentação política ao Executivo. Se Luiz Inácio for reeleito, as dificuldades serão ainda maiores, ao contrário do que sugere leitura apontando para a força de atração de seu carisma. É pouco provável que o PMDB, partido que terá as maiores bancadas parlamentares, entre coeso no vagão governamental. O PT, que deixará de ocupar o espaço monopolista no Ministério, acentuará o racha entre a banda dos apocalípticos, que prega o verticalismo programático de matiz socialista, e o grupo dos integrados, com olfato mais sensível ao cheiro ambiental. E as oposições tenderiam a buscar desforra, cobrando cada ato, conjugando o verbo da vingança e esticando o fio da crise. A falta de coesão geral poderá exacerbar o presidencialismo de colisão.
Comecemos pelo carisma de Lula. Funciona de um lado, mas prejudica de outro. Ancorado nesse escudo, o presidente eleva-se às alturas e, do alto da onipotência e onisciência, esforça-se para superar com a garganta a rotina da administração. Por delegar muito, característica atribuída ao perfil de quem prefere ser reconhecido como chefe de Estado, e não chefe do governo, o presidente incentiva a administração a criar um arquipélago de ilhas distantes umas das outras. E, ao insistir em dizer que continuará a "governar para os pobres" num segundo governo, distancia-se cada vez mais de outros grupamentos. Evidenciam-se, então, duas pontas do eixo carismático. Uma penetra profundamente no sistema cognitivo das margens sociais, enquanto a outra não ganha por completo a adesão do centro.
Mas há certo vazio na mesa dos famintos. Um Poder Executivo comandado por esse tipo de perfil, que prefere discursar a se debruçar sobre os problemas, depende muito do voto no Congresso. Assim, caso ganhe um segundo mandato, Lula será refém das duas Casas parlamentares com mais intensidade ainda que no primeiro governo. Por isso dá ordens para renovar o guarda-roupa do presidencialismo de coalizão, a partir de menos cabides ministeriais destinados ao PT. Com 18% das cadeiras (91 deputados), o partido ocupou 60% dos ministérios, ou seja, 21. Atente-se que Lula expandiu em 66% o número de pastas, que dos 23 postos no governo FHC chegaram a 35. Quanto ao programa, teria o PT condições de implantar seu ideário clássico e, assim, evitar o "tchau e bênção" apregoado pela filósofa Marilena Chauí?
Emerge, então, o papel do PMDB. O partido com que o governo Lula quer contrair matrimônio desejará um dote cavalar, à altura do seu peso no mercado político. Alguém acredita que a sigla entrará por inteiro num segundo governo Lula? Governo de coalizão significa, primeiro, comprometimento institucional com o programa e o desempenho administrativo. A divisão de responsabilidades requer que as diretrizes a serem executadas tenham o dedo dos partidos coligados. Mesmo assim, isso não seria suficiente para acabar com os impasses. No caso do PMDB, trata-se de ente com bases regionais fortes, cuja identidade não condiz com uma harmonização partidária de âmbito nacional.
Sem reforma política, nenhum partido assumirá responsabilidade pelo desempenho governamental. Se o governo falhar, a culpa recairá no governante-mor. E os conflitos continuarão. O presidente negociará reformas estruturais com os corpos individuais. Com a adoção da cláusula de barreira, a coesão que se poderia ter com o enxugamento partidário de 29 para 7 ou 8 siglas não passará de ilusão de ótica. Será destroçada por abordagem fisiológica de alto impacto. O presidente insistirá no clientelismo.
Se Geraldo Alckmin for o vencedor, as resistências serão apenas menores. Como não se trata de perfil carismático, enquadrando-se na categoria de gerentão de canteiro de obras, não cola nele o carimbo de governante emergencial, cujos flancos são mais expostos à crítica. Com o tempo, os mais humildes, garantindo-se a continuidade de seus programas, seriam levados a confiar em perfil diferente. Mas não dá para acreditar que, sob seu governo, o presidencialismo de coalizão também seja eficaz. Uma ala peemedebista, por exemplo, estaria bem agasalhada, tornando-se parceira.
Quanto ao PT, não terá outra alternativa para resgatar a identidade histórica senão a defesa de bandeiras rotas do passado. O sangue das batalhas é mais visível que a paz dos cemitérios.
Feitas as contas de um lado e de outro, o paradigma de uma crise intermitente é o que se vislumbra, a lembrar o poema sintético de Manuel Bandeira: "Que importa a paisagem, a glória, a baía, a linha do horizonte?/ O que eu vejo é o beco". Muito estreito, por sinal.
Gaudêncio Torquato é jornalista, professor titular da USP, consultor político e escreve em A Gazeta aos sábados.
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