03.12.2009 | 03h00
Mato Grosso é um estado privilegiado por apresentar uma imensa variedade de povos e culturas que fazem dessa região um manancial para pesquisas, estudos e referência em etnoconhecimentos.
Os povos indígenas colocam-se como exemplo dessa vastidão de saberes. Comunidades indígenas pertencentes a diferentes troncos linguísticos (Tupi-Guarani, Jê, Aruak, Tupi, Karib, Macro-Jê,) que vivem em diversas áreas do estado de Mato Grosso proporcionam uma peculiaridade ímpar de saberes e conhecimentos tradicionais.
A história do contato dos indígenas com os não-índios constitui-se numa história de luta pela sobrevivência, e um exemplo de resistência ao avanço das frentes de expansão e ocupação capitalista imprimida pelos latifúndios com incentivos fiscais do governo brasileiro.
Mesmo em meio a tantas adversidades, as diferentes etnias preservaram as suas práticas socioculturais que fascinam pela complexidade e pela beleza, numa relação intrínseca com os seres vivos e elementares do meio ambiente.
Observando o cotidiano dessas comunidades, nos deparamos com um universo que impressiona, seja pela sua exuberância de formas e saberes, dentre os quais quero destacar nesta oportunidade os marcadores de tempo indígena, exemplo de uma relação recíproca entre as pessoas e dessas pessoas com o meio ambiente.
Os tempos indígenas são elaborados pelo próprio índio, sendo um tempo histórico, um tempo vivido. Apesar de descontínuo, esse tempo não é fragmentado uma vez que a vida é contínua na individualidade de ser índio em todas as fases da vida, desde o nascimento, os rituais de passagens, as aprendizagens, o envelhecimento e a morte. Contudo não é concebida na perspectiva individual, mas sim preponderantemente na coletividade.
Partindo dessa premissa, as comunidades indígenas construíram seus conhecimentos sobre o tempo sem separá-los da sociedade e da natureza, ou seja, sem desconsiderar as informações contidas em suas crenças, as experiências dos ancestrais, sempre dentro de uma lógica que explique e simbolize a existência da vida.
Os marcadores de tempo indígenas foram apreendidos e codificados enquanto padrões temporais, por conta da circularidade de acontecimentos. Entretanto, ao registrar ou criar símbolos para os períodos dos tempos os povos indígenas não perdem a perspectiva do tempo cultural, interior, pois somente há sentido em observar o tempo se esse for o tempo das coisas, dos bichos, o tempo da natureza, o tempo das pessoas. Sem esses elementos o tempo não tem razão de existir.
O ciclo anual do povo Mehinako (Alto Xingu) é um exemplo de calendário tradicional composto por treze períodos, que se interpolam entre duas fases não contínuas, que são as épocas das chuvas e a época das secas, cujo início e duração não são preestabelecidos de acordo com o calendário ocidental, mas sim determinados pelos marcadores naturais.
O passado e o futuro podem ser contemplados, concomitantemente, com o presente e influenciá-lo. O aspecto do tempo assume papel secundário, pois simultaneamente há múltiplos tempos com intervalos, dimensões, velocidades, inícios e finalizações diferentes.
O tempo de chorar pelos mortos na etnia Tapirapé, por exemplo, tem sua duração de acordo com a importância que o morto tem para a comunidade. O chefe do ritual deverá definir quando chega o dia de parar de chorar. Encerra a tristeza e volta a alegria na comunidade.
É fundamental levar em consideração o modo como os indígenas consideram os elementos da natureza como marcadores de tempo. Há os elementos de sua cosmologia que estão contidas nos rituais, nas histórias de guerreiros, no sol, na lua e nas estrelas.
Para as comunidades indígenas, cada marcador de tempo tem sua origem e sua lógica baseados nas crenças e nas cosmologias, as quais durante toda a vida sistematicamente explicam e respondem às perguntas e aos problemas de ordem científica, filosófica, epistemológica, didática, cognitiva, ética, política e cultural, surgidas do relacionamento entre os povos e dos povos com a natureza.
Elias Januário é doutor em Educação, professor de Antropologia da Unemat e escreve às sextas-feiras em A Gazeta. E-mail: eliasjanuario@terra.com.br
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