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Cinema - A | + A

04.10.2015 | 00h00

Que horas ela volta?

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        Um dos problemas sociais mais complexos parece-me que talvez seja o discernimento da classe média e as relações dela decorrentes. A dificuldade de entende-la, sobretudo nos dias de hoje é que o estudo da sociedade pauta-se por demandas globalizadas em meio a atipicidade desta classe social supérflua, impregnada de nódulos de quinhentos anos de vida ocidental em um espaço de evidencias de tradições milenares.
    Situação sugestiva de uma multiplicidade de dominações em um processo polissêmico dinâmico. Parece inequívocas ou no mínimo compreensíveis as inferências evidentes das procuras quase insanas e das tentativas patológicas, no âmbito desta classe social. Concorrências que tencionam ainda mais a provável evidencia da singularidade desse segmento mediano, indicando para a presença diminuta da população de indivíduos de classe média e a possibilidade de uma pressão para baixo, imbricada na impermeabilidade de segmentos que rogam para se acomodarem, nesta suposta faixa fascinante de configuração socioeconômica.
    Notar-se-á aí um imaginário cuja característica tem sido onírica. Mostra-se indubitável o sonho de fazer parte da suposta delicia da vida pequeno burguesa, considerando que o tal simbolismo vê-se na preocupação musical irreverente de Caetano Veloso, na música ‘Podres Poderes‘ (1984),‘Enquanto os homens exercem/Seus podres poderes/Motos e fuscas avançam/Os sinais vermelhos/E perdem os verdes/Somos uns boçais//Queria querer gritar/setecentas mil vezes/Como são lindos/Como são lindos os burgueses(...)/Será que nunca faremos senão confirmar/A incompetência da América católica/Que sempre precisará de ridículos tiranos (...)‘.
    Constata-se que ainda Marx ensina no seu livro clássico, intitulado: Manifesto do ‘Partido Comunista‘ (1847), ‘(...) a burguesia faz da sociedade sua imagem e semelhança (...)‘. Na sociedade capitalista quem não tem expressão econômica, cultural ou política da burguesia desloca-se provavelmente para a franja da sociedade; vivendo-se toda sorte da marginalização, que geralmente se mostra cruel. Observa-se que fiz um sobressalto, neste artigo,quase uma sincope na medida em vou da classe média à burguesia.
Sendo, contudo de propósito leitor, pois se justifica na medida em que aqui entre nós a classe média tem uma constituição singular de notável condição de riqueza. A veracidade disto se constata, diante de uma taxionomia na qual o senso comum tem sido a referência que se faz à classe média, mostrando-se quanto hilário é este equívoco. Observemo-la, por exemplo: classe média alta, classe média média, classe média e classe média baixa. Como aí se vê a dimensão taxionômica parece, absolutamente incongruente. Nos países ocidentais mais antigos, por conseguinte com estabilidade econômica aparente, lá não se vê analogia com a nossa pequena burguesia, sendo respectivamente, assim: média alta corresponde aos milionários, subsequentemente a classe média média são os poucos muito ricos, por seu turno a classe média são os ricos e a classe média baixa seria, deste modo, o que chamamos de classe média.
A literatura não cientifica persiste neste ledo engano, com um investimento que chega no paroxismo desta incompreensão. Como os literatos influenciam o cinema, que por sua vez reproduz o descalabro desta falta de acuidade com as ciências sociais. Comportamento concorrente à solércia das relações sociais, permitindo que alguns caudatários mascarem as relações sociais com folclore do não discernimento da realidade social, configurando as mais terríveis crueldades, no plexo da divisão de renda, fustigando, consideravelmente o tecido da escolaridade; regando, desta maneira o construído canteiro de ervas daninhas, que alimenta miserabilidade. Lembrando Castro Alves, ‘o mar da miséria invadiu a paz‘, quando isto acontece a perspectiva do bem-estar social torna-se longínqua.
No filme‘Que horas ela volta?‘, de Anna Muylaert narrando a desventura da mulher nordestina, que deixa os filhos e a família para trás buscando a sorte no El dourado, o sudeste, deixando a atenção e o carinho com os seus para se tornar a servil de obediência patológica com a família do outro, que só lhe vê como peça de trabalho. Como se demonstrava, aliás nas relações escravistas em que a ama de leite era obrigada a cuidar do filho do senhor em detrimento ao cuidado dos seus próprios filhos. Localiza-se aí, ’ao meu quase cego ver’, a importância deste filme, mas, sobretudo seu problema, a fragilidade epistemológica da sua direção
A realização aborda a questão da empregada, seu folclore e sua perda, enquanto mãe na condição de família. A cineasta não observa, porém que uma sociedade dependente deste tipo de trabalho mostra-se, acentuadamente anacrônica; revelando a sua impossibilidade de constituir-se em elite; sendo meramente a classe dominante. A posição de empregada doméstica furta a condição de dignidade do trabalho em relação ao capital, na medida em que não lhe faculta a possibilidade de iniciativa colocando-a no folclore da repetição operacional em favor do outro e em detrimento a si mesmo, Hegel já chamava a atenção para essa possível espécie da ausência de consciência de per si, constituindo-se em energia do trabalho estranha a qualquer possibilidade em favor da satisfação de quem de fato trabalha, a força produtiva.
A diretora Muylaert persiste em mostrar a fragilidade da empregada esquecendo da lição hegeliana, na qual ensina, também a fragilidade do senhor, ou seja, a dependência do senhor em relação ao trabalho do escravo. Localiza-se neste ponto a falta de lente epistemológica no olhar da realização, que se mostra quase míope; revelando vicissitudes da pós-modernidade, tal como o significante (forma) tem um cuidado epidérmico, quase um clichê de contestação permitida e um significado (conteúdo) a título de lugar comum cuja repetição articula em prol da manutenção do status quo.
Mostrar se por exemplo quanto a diretora promoveu o estereótipo do trabalhador, ação própria dos caudatários do poder,que supostamente vive no andar de cima, então seria, difícil a explicação do atraso do capital, que ainda precisa desse tipo de trabalho; sendo deslocado da cadeia do suposto desenvolvimento europeu; considerando que na Europa, somente o milionário tem empregada doméstica. Tendo em vista que, no mundo ocidental classe média (médicos, professores universitários, jornalistas, advogados, etc.) não tem empregada.
Digo, portanto que as classes dominantes aqui são cruéis com os outros, na medida em que não têm identidade com os mesmos assim não constituindo, deste modo a condição de elite social. Ninguém é elite de si mesmo, pois a pessoa só é elite em relação ao grupo que supostamente representa, do contrário elite não o será, em razão de falta de consubstancia de representatividade. No filme ‘Que horas ela volta?‘, a empregada Val (Regina Casé) vê uma celeuma com a filha (Camila Márdila), que depois de treze anos vem visitá-la; percebendo o absurdo do tratamento de exploração e violência do patronato doméstico, que é silenciado em naturalidade social fascista e atrasada. O olhar da diretora mostra-se, inegavelmente, mais classista que artístico, mais conservador que crítico.
O filme ganha, indubitavelmente, dinâmica na capacidade diferenciada de domínio cênico e originalidade de Regina Casé, que sem dúvida é uma das melhores atrizes da atualidade. Já a Camila Márdila não mostra nenhuma genialidade, mas não atrapalha, está muito longe de ser medíocre; considerando que se bem trabalhada virá ser uma promessa. Fora isso o filme é um copo com água de litros iguais nada muda. Parece, que ’ao meu quase cego ver’, a diretora Muylaert não aceita a condição de uma diretora comum, contudo não aprofunda na crítica para se construir, fazendo justiça a suposta diferença. Como cineasta é apenas mais uma, é difícil afirmar a questão de minoria com nuances da lógica do capitalismo machista. Como cinema é debate, vale à pena conferir. (Colaboração de Rafael Martine, Keila Oliveira, Mory Márcia Lobo e Lindalva de Souza)


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