30.03.2014 | 00h00
A dimensão transcendental da arte dá ao artista uma áurea muito especial. Um charme que o coloca em posição sugestiva de transcendência, razão pela qual os pontos em que se costuma atacá-lo, geralmente são pontos que os coloca na possível posição de inatingível. É aquela velha questão, aquilo que parece tabu aos comuns das relações objetivas não sê-lo-á, quando se trata do artista.
Considera-se que a natureza libertária da arte ganha feição na expressão do olhar ontológico do produtor artístico, que percebe com sensibilidade o invisível, tão caro a fenomenologia merleaupontiana. É aí, talvez, que se localiza um preocupante problema, observado nas relações do ofício de comunicação.
Há casos em que os comunicadores são tentados pelo uso fantasioso da roupa de artista, ainda quando o figurino é considerável, vestindo razoavelmente o corpo, faltar-lhe-á elementos para encobrir a alma que ainda continua racionalista. Permita-me a metáfora leitor, os pés da alma deste profissional caminham nos sapatos do mercado. No caso do cinema, o destino desses passos de pensamento cartesiano, tem sua teleologia na simples bilheteria cuja estação final é tão somente o lucro, no nefasto oceano da acumulação.
O filme SOS - Mulheres ao mar, de Cris D’Amato é um exemplo apodítico da observação em voga. A película tem como singularidade, a inegável condição de solércia, tratando-se de perfumaria com sensação de olfato efêmero de publicidade, tentando recender o aroma divinal da sétima arte.
Não é à toa que se fala mal de intelectual, tentando fazer pose de inteligente. Diga-se de passagem, só Freud explica tamanha presepada. A diretora D’Amato na condição de mulher poderia e deveria fazer muito em favor do respeito à diversidade, sobretudo na questão de gênero. Mas, não fê-lo, concorrendo no cinema em detrimento das minorias.
O seu filme que não é cinema, sendo peça publicitária é um manifesto de preconceito, considerando que o fizera armando uma cadeia preconceituosa. Visto que vai além do preconceito de gênero na reprodução patológica do machismo, postura homofóbica e racismo. Segue, neste contexto, o trilho do preconceito contra o nordestino. O estigma nordestino, aliás, não decorre pelos traços euro-hetero-autoritário, que não lhe caberia, cabendo-lhe sim, a herança dos traços ibero-afro-ameríndia. Situação, infelizmente, justificável para o estereótipo que o segue.
SOS - Mulheres ao mar aborda a história da personagem Adriana (Giovanna Antonelli),tradutora de cinema pornô, que supostamente dedicou dez anos de sua vida a um marido, Eduardo (Marcelo Airoldi),que lhe abandona, por sua nova namorada, Beatriz (Emanuelle Araújo), atriz de cinema. Ciente que o ex-marido fará um cruzeiro com Beatriz, Adriana faz um plano de viajar no mesmo navio para recuperar Eduardo. Para tal façanha conta com a irmã Luiza (Fabiula Nascimento), juntamente com a empregada doméstica Dialinda (Thalita Carauta). Resumo da ópera, as três articulam jogar as roupas de Beatriz no mar, objetivando vê-la armando um barraco. A vingança vai mais longe, na medida em que Adriana descobre que a atriz participou também de filme pornô; para ridicularizá-la divulga as cenas mais eróticas, vividas nas interpretações de Beatriz como atriz.
Pois é, aí o leite começa a derramar e chega ao chão, que por sinal é pura sujeira de tantas apelações, as quais furtam qualquer possibilidade de ética; sendo uma pintura daguerriótipica de preconceitos emoldurada de mau gosto. ’Ao meu quase cego ver’, a cineasta D’Amato opera sua direção com uma imagética insonsa, faltando-lhe tempero próprio de realizadora, o seu prato parece peça publicitária de fastfood, totalmente isenta do charme criativo da delicia divina de artista.
O cenário, dado por um navio parece mais um palco de propaganda de cruzeiro. Os artistas de alta projeção televisiva parecem estranhos no ninho, na mídia cinematográfica. A falta de originalidade compromete a diretora, colocando-a na raia da inépcia cinematográfica.
O evidente naufrágio das meninas do SOS - Mulheres ao mar chama a atenção da repetição do tema de cruzeiro em tão pouco tempo, fazendo tantas águas que a televisão tem parecido instrumento para dissimular a propaganda, no mundo cinematográfico, com artistas consagrados, que, infelizmente, não dão certo no cinema, que é domínio do diretor, enquanto a televisão é hegemonia do escritor, somente no teatro os atores e atrizes formam o centro determinante.
Já o Reynaldo Gianechini, que na verdade, como ator, é bom que se diga, ’ao meu quase cego ver’, ainda esta em fase de construção, cabe observar, foi mero apelo no jogo personalista de nomes. Uma vez que se sabe que, indubitavelmente, o público alvo da película é formado na novela, movido pela dinâmica da tietagem emocional, em que Gianechini independente da arte,tem sido detentor de prestígio. Sem provocação, leitor, ’ao meu quase cego ver’, só faltou o rei do cruzeiro romântico, Roberto Carlos, comendo carne...
Portanto, a estratégia de salvar projeto incipiente de filme com expressões da dramaturgia televisiva não dá certo. Resta dizer que o filme das mulheres afogou-se no mar da reprodução dos preconceitos, que tenta fragmentar a dignidade da mulher e das minorias como um todo.Um projeto de comédia, impregnada de fragilidade, que acabou sem graça, levantando a bandeira do politicamente incorreto. Contudo, vale a pena conferir. ( Colaboraram Rafael Martine e Keila Oliveira)
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