17.09.2025 | 15h56
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A recente aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2021 pela Câmara dos Deputados suscita uma análise detida sobre seus impactos no ordenamento jurídico e nos princípios basilares da República. A medida, que altera significativamente o rito de responsabilização criminal de parlamentares, demanda uma ponderação serena, mas firme, sobre a preservação da moralidade no parlamento e o respeito à Constituição Federal. Não se trata de cercear prerrogativas legítimas do mandato, mas de assegurar que o exercício do poder público esteja sempre submetido à supremacia da lei e à fiscalização social.
Uma das inovações mais impactantes da PEC é a exigência de autorização prévia, da maioria absoluta da Casa Legislativa, para o prosseguimento de qualquer ação penal contra deputados e senadores. Esta disposição, ao conferir ao próprio objeto da investigação o poder de autorizar seu andamento, introduz um filtro que pode comprometer a independência do Poder Judiciário. A votação secreta, nesse contexto, afasta a transparência necessária para que a sociedade compreenda as razões de cada decisão, mitigando a accountability e gerando uma sombra sobre a lisura dos processos.
Adicionalmente, a proposta expande o foro por prerrogativa de função, estendendo-o aos presidentes de partidos com assento no Congresso. Embora a defesa de que "eles complementam a atividade política" possa ser feita, a ampliação indiscriminada dessa prerrogativa tende a sobrecarregar o Supremo Tribunal Federal e a afastar esses dirigentes de sua jurisdição natural. A igualdade isonômica, preceito fundamental de nossa Carta Magna, é desafiada quando se estabelecem categorias diferenciadas de julgamento para cidadãos que, em tese, deveriam responder perante as mesmas instâncias judiciais.
A capacidade de a Casa Legislativa intervir em decisões judiciais, especialmente no que tange à prisão de parlamentares, é outro ponto de alta sensibilidade. A PEC permite que, mesmo em casos de prisão em flagrante por crime inafiançável, a Casa possa deliberar, em 24 horas, sobre a suspensão da medida, bastando para tanto a maioria simples dos presentes. Esta prerrogativa, que pode ser argumentada como uma proteção contra abusos, na prática, confere ao Legislativo a capacidade de anular uma ação imediata do Judiciário, diluindo a força das decisões e criando um precedente perigoso para a efetividade da Justiça e a independência dos Poderes, conforme dispõe a Constituição Federal (Art. 2º).
O relator da PEC na Câmara, deputado Claudio Cajado (PP-BA), argumentou que a medida é um "escudo protetivo da defesa do parlamentar", visando a liberdade do mandato. Contudo, é fundamental distinguir entre a legítima proteção contra perseguições políticas infundadas e a criação de um regime de inimputabilidade que dificulte a apuração de condutas ilícitas. A Constituição já prevê mecanismos para salvaguardar a imunidade parlamentar, mas o que se observa na PEC é um alargamento dessas proteções a ponto de, potencialmente, inviabilizar investigações e processos criminais, mesmo para crimes que não se relacionam diretamente com a função legislativa.
A previsão de que os membros do Congresso Nacional não poderão ser processados criminalmente sem prévia licença de sua Casa "desde a expedição do diploma" configura uma blindagem antecipada. Isso significa que, desde o momento da diplomação, o parlamentar adquire um status diferenciado perante a lei, que pode atrasar ou impedir o início de procedimentos investigativos, minando a celeridade processual e a percepção de que a justiça é célere e equitativa para todos os cidadãos.
A tramitação da PEC no Senado Federal, portanto, assume um caráter de urgência e relevância inquestionáveis. O presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Otto Alencar (PSD-BA), já manifestou sua "repulsa" à iniciativa, sinalizando a resistência que a proposta deverá enfrentar. É imperativo que os senadores, na sua função de Casa revisora, atuem como guardiões da integridade constitucional, avaliando com rigor os impactos de tais alterações sobre a separação de poderes, a igualdade perante a lei e a confiança da sociedade nas instituições.
A preservação da moralidade pública e a garantia de que nenhum poder está acima da lei são alicerces indissociáveis de um Estado Democrático de Direito. As reformas legislativas devem fortalecer e não fragilizar esses pilares. A sociedade civil, por sua vez, deve manter-se vigilante, acompanhando o desenrolar desse debate e exigindo que as decisões do Congresso Nacional reflitam o compromisso inabalável com a Justiça e a probidade.
Túlio Fontes é advogado, pecuarista, ex-prefeito de Cáceres por duas vezes e ex-deputado estadual por duas vezes.
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