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MÊS DO ORGULHO 25.06.2023 | 13h08

'Eu ser professora e trans já é um ato político', diz educadora

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Khayo Ribeiro / Gazeta Digital

Khayo Ribeiro / Gazeta Digital

Direito ao trabalho é uma garantia assegurada pela Constituição Federal. Porém, muitas pessoas têm dificuldade para conquistarem um emprego formal, principalmente se forem transexuais. Professora de Física e Matemática, Ariana Cecília da Silva é uma mulher trans que, pelo trabalho, luta para desmanchar o estereótipo que relaciona transexualidade à marginalização.

 

Junho é o mês do orgulho da comunidade LGBTQIAP+. Com diversas vozes e pluralidades, a sigla é muito mais que um conjunto de letras, representa variados grupos que buscam direitos. Ariana, que é uma dessas vozes, contou ao sobre sua experiência com a transição de gênero e a recepção do mercado de trabalho. Porém, também falou sobre outros tópicos que atravessam sua vida, como educação e a ciência.

 

GD - Você passou pelo processo de transição de gênero recentemente em meio a sua formação acadêmica. Quando exatamente a transição começou e quais sentimentos fizeram parte deste processo?

 

Ariana - Precisei terminar a graduação para eu começar a fazer minha transição. Durante a graduação, eu sabia o que eu queria, mas eu escondi. E eu falei pensei que não fosse o momento certo para eu fazer, esperei eu formar. Eu procurei uma psicóloga porque eu queria adiar mais, mas chegou um momento que não tinha mais como. Eu preferi então terminar o meu curso e começar a pós. Quando eu comecei a transição eu comecei a trabalhar. Demorou muito tempo para eu fazer o processo de mudanças dos documentos.

 

GD - Discutir identidade de gênero no ensino ainda é um tabu para diversas pessoas, muito embora os estudantes tenham contato dentro e fora das escolas com muito conteúdo transfóbico. Como tem sido sua experiência nas salas de aula?

 

Ariana - Mulheres trans e travestis são interpretadas sempre no contexto da marginalização. São deixadas de lado, só aparecem no período noturno e daí justamente isso já fica vinculado à prostituição. Eu sou uma mulher trans, já pensam que está vinculado à prostituição. Claro que sabemos que mulheres trans podem estar em qualquer lugar, podem ser arquitetas, advogadas, médicas, inclusive eu, que sou uma professora, mas o fato de eu ser professora e trans já é um ato político. O fato de eu existir já incomoda o sistema de alguma forma. Pela normalidade deles e para eles, não seria adequado eu estar ali. Agora, se eu formei, tenho capacidade, aptidão, competência, tenho as habilidades necessárias para exercer aquela profissão, nada me impede. Mas daí a gente já entra na parte da transfobia. Quando eu comecei a trabalhar, eu morria de medo, mas fui super bem acolhida pela coordenação.

 

Quando eu cheguei, falei 'gente, sou uma mulher trans e vim dar aula de física e matemática'. Pela gestão, eu fui bem acolhida. Quanto aos alunos, não tive problema no ensino médio. Todos me acolheram de forma adequada, respeitosa.

 

Não me viam como uma mulher trans, me viam como uma professora. Ela está ali para dar aula de física e matemática, ponto. No ensino fundamental, tive alguns problemas. Estava na época do ciberbullying. Fizeram figurinhas inadequadas com os professores e eu sofri isso. Sofri alguns ataques transfóbicos. Mas a coordenação me acolheu, os professores me acolheram. Foi todo um processo de respeito pela gestão.

 

GD - Em janeiro deste ano, você recebeu sua nova documentação com nome atualizado. Esse marco te faz acreditar que a conquista de direitos plenos está cada vez mais próxima ou ainda falta muita coisa para que possamos falar em igualdade entre pessoas cis e trans?

 

Ariana - Acredito que é uma luta contínua pelos direitos e respeito. Quando eu fui fazer meus documentos, foi uma conquista muito grande para reafirmar meu nome, minha documentação. E isso mostrou que eu sou uma pessoa e tenho direitos quanto qualquer outra. No meu caso, essa mudança não foi pouco burocrática. Passei pelo cartório, tive que solicitar segunda via do RG, analisaram minha certidão de nascimento para ver se é verdadeira ou falsa, passei pelo título de eleitor, fui duas vezes na Receita Federal.

 

E eu queria muito incluir meu nome no meu RG. Meu nome não é nome social, meu nome é Ariana e ponto. Se você jogar na Receita Federal, é Ariana. Para mim, foi uma conquista. Talvez para os outros, isso não seja, mas para mim foi uma conquista.

 

Khayo Ribeiro / Gazeta Digital

Ariana Cecília da Silva

 

GD - Você formou recentemente em meio a um momento de severos cortes orçamentários no ensino superior. Como foi esse processo? Sentiu em algum momento que isso poderia fazer você se afastar da faculdade?

 

Ariana - Faltava um semestre para eu me formar, mas entrou a pandemia e a UFMT suspendeu. Quando retornou, eu ia me formar, mas preferi estender por alguns meses porque eu ia fazer iniciação científica. Então, eu estava reclusa na casa da minha mãe, recebendo aquela bolsa que auxiliava ela. Foi um momento difícil, mas eu tive forças para terminar e me formar.

 

GD - Agora, você está na pós-graduação, que é um estágio em que muitas alunas ficam dependentes das agências de fomento. O valor da bolsa é suficiente para viver?

 

Ariana - Acredito que a bolsa, mesmo com o aumento, não seja o suficiente para viver. Você consegue alugar um local, mas sem ajuda de alguém você não consegue por exemplo comprar móveis novos. No máximo, você consegue dividir aluguel com alguém que já tenha o mínimo de móveis preciso, como geladeira, panela.

 

Além disso, tem também as viagens que os alunos da pós-graduação por exemplo tem que ir. Mesmo que tenha auxílio de custo, essa ajuda só paga as inscrições. Às vezes, os alunos não conseguem pagar a ida e a volta para um evento científico. Eu, por exemplo, sou aluna da pós-graduação, mas não recebo bolsa. Não tenho ninguém que me ajude financeiramente, não tenho apoio familiar para isso e para mim é muito difícil.

 

GD - Especialistas apontam que a queda recente nos investimentos em ciência deverá deixar o país muito longe do seu real potencial científico e tecnológico. Você, que faz parte de um campo da ciência de base, tem qual percepção sobre esse assunto?

 

Ariana - Acredito que a partir do momento que se diminuem os investimentos de base, você está prejudicando as futuras gerações. Quando você tira esse investimento, você está reduzindo as pesquisas e os avanços. Se for colocar dentro da graduação, tem estudos voltados para a saúde, para a engenharia, para desenvolver e melhorar a sociedade como um todo. Se você diminui os investimentos, você está atrasando o desenvolvimento científico. E isso é muito triste, é péssimo.

 

Se uma pesquisa não tem mais investimento, você paralisa aquela pesquisa. Porque a pesquisa funciona com investimentos. E daí se perde prazo, se perde desenvolvimento. Fazer ciência não é algo fácil. Vimos isso quando fomos expostos à covid. Vimos que a ciência requer investimento, não é feita de um dia para o outro. Requer tempo, investimento e cautela.

 

GD - Último IDEB colocou Mato Grosso na 21ª posição em relação aos demais estados. Você, que é professora de Matemática e Física em escola pública, consegue apontar o que precisamos melhorar na educação para que o desempenho seja melhor?

 

Ariana - Acho que tem que ter uma maior participação da família junto ao aluno dentro da escola. É preciso compreender que a escola não é um ambiente onde o aluno está, deu o tempo dele ele já vai embora para casa. Sabemos que os pais trabalham, têm seus compromissos, precisam sustentar, mas o aluno precisa ter um incentivo familiar.

 

Precisa ter uma maior participação e isso reflete o aluno dentro de sala de aula. Quando tem um acolhimento entre pai e mãe e tem essa contribuição, tudo flui. O aluno participa mais.

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