CALOR EXTREMO E ATRASO DAS CHUVAS 19.10.2025 | 07h00
fred.moraes@gazetadigital.com.br
SECOM-MT
Cuiabá enfrenta mais um outubro sob calor intenso e céu claro, em um período que tradicionalmente marca a chegada das primeiras chuvas. De acordo com Paulo Henrique Zanella de Arruda, professor do Instituto de Física da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), o aparente atraso das águas não foge totalmente da média histórica, mas está relacionado a fenômenos climáticos como o La Niña e à presença de bloqueios atmosféricos, que impedem a entrada da umidade amazônica.
O professor explica ao , na Entrevista da Semana, que, apesar da sensação, de estiagem prolongada, o regime de chuvas nos últimos meses tem ficado dentro da normalidade para a região, com tendência de regularização nas próximas semanas.
No entanto, alerta que o calor extremo não é apenas consequência da falta de precipitação, mas também do aquecimento global e de massas de ar seco e quente estacionadas sobre o Centro-Oeste. Arruda reforça que os efeitos das mudanças climáticas são acentuadas pelas estações chuvosas mais curtas e irregulares, bem como aumento na frequência das ondas de calor.
Os avisos meteorológicos do Instituto Nacional de Pesquisas Iniciais (INPE) indicam probabilidade de chuva a partir do dia 20 de outubro.
GD - Estamos em um período que tradicionalmente marca o início das chuvas em Cuiabá. O que explica essa demora em chover este ano? Há registros períodos semelhantes?
Paulo de Arruda - Apesar da sensação de demora para as chuvas se estabelecerem, não estamos muito destoantes da série histórica de precipitação para a região de Cuiabá e ainda temos pelo menos um terço do mês pela frente.
Alguns fatores climáticos podem estar contribuindo para esse pequeno atraso. Este ano tem sido marcado pelo fenômeno La Niña, que ocorre quando as águas do Oceano Pacífico Equatorial ficam mais frias do que o normal. Esse resfriamento altera a circulação dos ventos e faz com que a umidade e as chuvas se concentrem mais ao norte do país, que é de onde vem boa parte da precipitação que recebemos aqui no Centro-Oeste. Em geral, o La Niña tende a aumentar a precipitação acumulada no Centro-Oeste e Sudeste do Brasil, o que já aconteceu no início do ano, e esperamos que continue nestes últimos meses.
Além disso, temos observado a presença de bloqueios atmosféricos. Esses bloqueios atuam como uma barreira, impedindo a entrada da umidade amazônica e dificultando a formação de nuvens de chuva. O resultado é o que temos visto nas últimas semanas na capital: temperaturas elevadas e umidade do ar muito baixa.
Outro fator importante é que a Zona de Convergência do Atlântico Sul, a ZCAS, ainda não se formou plenamente. Essa faixa de nebulosidade que liga a Amazônia ao Sudeste costuma organizar as chuvas da primavera e do verão, o La Niña pode estar contribuindo para esse atraso.
A expectativa é que, nas próximas semanas, com maior influência da umidade amazônica, as chuvas comecem a se regularizar gradualmente em Cuiabá e na região.
GD - Esse fenômeno está ligado ao El Niño, La Niña ou a outro sistema climático global?
Paulo de Arruda - Apesar da aparente “demora” do período chuvoso este ano, como um ano sob influência do fenômeno La Niña (Vide primeira figura a baixo), já tivemos uma precipitação acumulada de 1000mm até o início do mês de agosto, que é bem superior ao mesmo período do ano passado (Janeiro a Setembro de 2024) para a baixada Cuiabana, com aproximadamente 650mm, e a previsão é que tenhamos um bom regime de chuvas para os próximos meses, ou seja, tivemos um período chuvoso em 2024-2025 acima da média dos anos anteriores, e possivelmente esse regime se repetirá neste ano.
Em geral, o fenômeno La Niña de tende a aumentar a precipitação acumulada anual no Centro-Oeste brasileiro, enquanto o El Niño tem efeito oposto, de redução do acumulado de precipitação. Outros fenômenos também tem forte influência sobre o regime de chuvas no nosso estado, como a Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS), que é um dos principais fenômenos responsáveis pelo transporte de umidade da Amazônia para o Centro-Oeste e Sudeste do país. A ausência ou atraso da formação de ZCAS neste momento é um dos fatores que podem ajudar a explicar a “demora” das chuvas em Cuiabá e região.
GD - Qual seria o comportamento normal das chuvas nesta época e como está se desviando agora? Dá pra dizer que o atraso das chuvas está se tornando um padrão nos últimos anos?
Paulo de Arruda - Passamos por um período muito seco nos últimos 5 a 6 anos, desde 2019 a precipitação anual foi inferior à média da série histórica, que é em torno de 1500mm por ano. As chuvas do início do ano se estenderam um pouco mais este ano, tivemos algumas chuvas em junho, algo que não é tão comum. A expectativa é que este ano ficaremos na média de chuvas da série histórica.
Não podemos afirmar que este “atraso” virou um padrão permanente, mas há sim uma tendência de maior irregularidade na estação chuvosa — tanto no início quanto na distribuição das chuvas ao longo do ano —, o que é coerente e previsto com o atual cenário de mudanças climáticas.
GD - Esse calorão que estamos sentindo é consequência direta da falta de chuva ou há outros fatores agravando a situação?
Paulo de Arruda - Está diretamente ligado à falta de chuvas, mas não é apenas consequência disso. Quando passamos muito tempo sem chuva, o ambiente (solo, vegetação, ar) perde umidade. Isso reduz a evaporação e a formação de nuvens, o que faz com que mais radiação solar chegue à superfície e que a maior parte dessa radiação seja utilizada para aquecer o ar, elevando ainda mais a temperatura.
Também podemos citar a influência de bloqueios atmosféricos, com massas de ar seco e quente estacionadas sobre o Centro-Oeste, que impedem a entrada de frentes e a renovação do ar.
Também há um fator de fundo muito importante: o aquecimento global. As médias de temperatura na nossa região têm aumentado nos últimos anos, e isso intensifica as ondas de calor sempre que as condições locais favorecem o tempo seco.
GD - As mudanças climáticas globais têm influência perceptível sobre o regime de chuvas no Centro-Oeste?
Paulo de Arruda - Os efeitos das mudanças climáticas já são sentidos em todo o mundo, e muito em especial aqui no Centro-Oeste brasileiro. Os modelos climáticos mais importantes atualmente, indicam que, se o aquecimento global continuar avançando, o Centro-Oeste tende a ter uma estação seca mais longa e uma estação chuvosa mais curta e concentrada, o que tem implicações importantes para a agricultura, a gestão da água e a saúde da população. Estamos a dois anos consecutivos batendo o recorde de ano mais quente da série histórica do INMET.
O que temos observado, nos últimos anos, foi um aumento na irregularidade das chuvas, ou seja, períodos secos mais longos, início de estação chuvosa mais tardio e eventos de chuva mais concentrados e intensos quando ocorrem.
De acordo com um estudo recente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o número de ondas de calor registradas no Brasil quadruplicou nos últimos 30 anos, indicando uma tendência clara de aumento na frequência e intensidade desses eventos climáticos extremos. A pesquisa se baseou em dados meteorológicos coletados ao longo dos últimos 60 anos.
GD - O que pode acontecer se essa tendência continuar, podemos ter estações cada vez mais curtas e irregulares?
Paulo de Arruda - Como já citado, os modelos climáticos mais importantes atualmente, que aparecem no último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), órgão das Nações Unidas responsável fornecer avaliações científicas regulares sobre a mudança do clima, indicam que, se o aquecimento global continuar avançando, o Centro-Oeste tende a ter uma estação seca mais longa e uma estação chuvosa mais curta e concentrada, além de ser uma das partes do planeta com maior aumento de temperatura média, acima da média global, o que tem implicações importantes para a agricultura, a gestão da água e a saúde da população.
Se olharmos a projeção dos modelos que aparecem no último relatório do IPCC (figura (a) da imagem abaixo), o Centro-Oeste aparece como a área mais impactada pelos efeitos das mudanças climáticas em todos os cenários.
GD - Quando deveremos sentir o início real da temporada de chuvas?
Paulo de Arruda - Segundo os modelos de previsão do INPE, há uma boa probabilidade de chuva para os próximos dias a partir de 20 deste mês, no início da próxima semana. Como efeito das mudanças climáticas, podemos esperar que a frequência e intensidade desses eventos climáticos mais extremos, como pancadas de chuva de grande volume em pouco tempo, se tornem eventos mais comuns. Esses modelos devem servir de alerta para entidades como a Defesa Civil e os gestores municipais e estaduais para se prepararem para essas ocorrências.
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