DEU EM A GAZETA 06.10.2025 | 06h35
aline@gazetadigital.com.br
CNJ
“O sistema prisional tornou-se um verdadeiro centro de batismo do Comando Vermelho”. A fala é do supervisor do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Socioeducativo (GMF-MT), desembargador Orlando Perri, que destacou que de dentro das cadeias a facção arregimenta novos membros e simpatizantes. Em pouco mais de uma década, a organização criminosa cresceu mais de 7.200% no Estado.
O Comando Vermelho de Mato Grosso, braço independente da facção que nasceu no Rio de Janeiro, deu seus primeiros passos em solo mato-grossense no ano de 2012, quando Sandro da Silva Rabelo, o “Sandro Louco”, retornava do presídio federal. Dentro do maior presídio de Mato Grosso, a Penitenciária Central o Estado (PCE), ele, Miro Arcângelo Gonçalves de Jesus, Renildo Silva Rios e Renato Sigarini criaram o estatuto do CV/MT e organizavam os primeiros “batismos”. Em 2014, quando deflagrada a operação “Grená”, que trouxe à tona os principais nomes do CV, a facção tinha 450 membros. Mesmo com as lideranças presas, inclusive os fundadores, o número de “soldados” continuou crescendo, passando para 2,5 mil em 2017.
Em 2018, a Polícia Federal já trazia o número de 7 mil filiados e, atualmente, segundo o desembargador Orlando Perri, são pelo menos 33 mil membros. O magistrado destaca que a própria facção tem uma ficha de inscrição dos alistados oficialmente. “A estimativa é de que tenha mais de 33 mil faccionados. O sistema prisional é um centro de batismo de CV. As pessoas que, às vezes, não têm vínculos com facções e entram no sistema prisional, se veem arrastadas para filiar, isso para sobreviver ao sistema”, disse.
Perri cita um período em que houve a transferência de faccionados para determinado presídio, isso para ter uma separação dos presos, no sentido de enfraquecer o CV. No entanto, em uma única noite teve, naquele presídio, o “batismo” de 50 novos faccionados. O desembargador disse que a questão está complicada visto que há uma glamourização do crime e das facções.
“Têm jovens que compram tornozeleira, pois representa glamour e respeito. Se quisermos reduzir a violência a médio e longo prazo, tem que começar agora”, disse. Segundo o desembargador, o problema não está somente nos presídios. “‘A questão da criminalidade vai muito além, passa por causas sociais, falhas na educação, saúde, que são os fatores principais que levam ao crime”, completou Orlando Perri.
RECRUTAMENTO CONSTANTE
Vladia Soares, professora de Criminologia e Direito Penal da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), lembra que as facções brasileiras nasceram dentro dos presídios e, até hoje, conseguem se articular de lá. Ela destaca que mesmo presos, líderes mantêm comunicação por celulares clandestinos, advogados, familiares ou “disciplinas”, que são os membros de confiança. Com isso, as ordens saem das cadeias e chegam facilmente às ruas.
“O CV cresceu em Mato Grosso principalmente pelo controle do tráfico de drogas, aproveitando a localização estratégica do estado, que é rota para Bolívia e outros países produtores. Além do tráfico, atua em roubos, extorsões, sequestros e lavagem de dinheiro. Esse poder econômico garante recrutamento constante e manutenção da rede”, pondera. Vladia afirma que as cadeias em Mato Grosso, como no resto do Brasil, sofrem com superlotação, falta de agentes e pouca inteligência penitenciária.
“Isso cria um ambiente onde as facções dominam alas inteiras e impõem regras internas, muitas vezes mais eficazes que o próprio Estado”. A professora enfatiza que o Comando Vermelho não depende apenas de uma liderança central. Há “células” e “disciplinas” que mantêm a organização viva mesmo com chefes presos. Isso garante continuidade do negócio, como uma “empresa criminal”. “A facção oferece ‘proteção’ dentro das cadeias para presos comuns. Fora delas, em bairros pobres, jovens entram na organização criminosa por falta de oportunidade, status, renda rápida e medo. O aprisionamento em massa, sem políticas de ressocialização, acaba funcionando como escola do crime. A repressão policial sozinha não consegue frear o crescimento da facção, que se fortalece justamente nos vazios deixados pela pouca presença do Estado em áreas periféricas e ausência de políticas sociais”.
PROVAS MAIS RECENTES
Relatório Técnico da Polícia Civil destacou que em agosto houve a apreensão de aparelho celular na cela 11, do Raio 08, considerado de segurança máxima. Procedida a extração de dados do equipamento, constatou-se a existência de menção a suposto “batismo” de novo integrante de facção criminosa, sendo citados, no conteúdo analisado, os recuperandos Sandro da Silva Rabelo, Renildo Silva Rios, Cecliênio Lourenço de Araújo, Sidney Bettcurt e Norivaldo Cebalho, “padrinhos” do autor das mensagens. O relatório está citado nos processos dos recuperandos. Na decisão da última quinta-feira (02), o juiz Geraldo Fidelis solicitou esclarecimentos, inclusive sobre a manutenção dos reeducandos em isolamento.
“Para elucidar a situação e conferir segurança à análise quanto à eventual inclusão ou permanência do recuperando Sandro da Silva Rabelo, no Raio 08, determino, no prazo de 48 horas, a expedição de ofício à Secretaria de Estado de Justiça, requisitando esclarecimentos, acerca da efetiva ocupação da cela 11 na data da apreensão, da identificação dos custodiados eventualmente vinculados ao objeto apreendido, bem como das providências administrativas adotadas em decorrência da apreensão do aparelho e do conteúdo nele identificado”, determinou Geraldo Fidelis em uma das decisões.
Outro lado
A Secretaria de Estado de Justiça (Sejus) afirmou que atua de forma contínua na identificação, monitoramento e contenção da atuação de organizações criminosas no interior das unidades prisionais. Segundo a pasta, entre as medidas adotadas, dentro do Programa Tolerância Zero contra facções criminosas, destaca-se a separação de líderes de facções. A Sejus pontuou ainda como medidas o monitoramento de movimentações atípicas.
As revistas contínuas e estruturadas e operações de contenção e varredura, com apoio de forças especializadas. E também o intercâmbio de informações com as demais forças de segurança e órgãos de inteligência.
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