deu em a gazeta 10.03.2025 | 09h16
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Otmar de Oliveira
Aos 97 anos, Maria Lygia de Borges Garcia continua a encarar a vida com uma energia contagiante e uma língua tão afiada quanto seu senso de humor. Viúva do ex-governador José Garcia Neto, ela segue encantando e impressionando quem a escuta com suas opiniões, histórias inusitadas e lembranças.
Em seu aconchegante apartamento, rodeada de plantas, quadros pintados por ela mesma e uma biblioteca que transborda cultura.
Maria Lygia Garcia foi primeira-dama do Estado entre os anos de 1975 a 1978, quando ajudou a criar unidades de assistência social como a Prosol, Casa do Artesão e o Centro de Reabilitação Dom Aquino. Confira abaixo a uma entrevista direito a pitadas de nostalgia, críticas afiadas e, claro, muita irreverência.
A Gazeta - Como a senhora tem visto a política nos dias atuais?. Tem algum grupo preferido ou nota de alerta?
Maria Lygia - Na minha época, a política tinha outro tempero. Acompanhar a política hoje em dia é como ver um espetáculo onde os atores se esquecem do roteiro! Hoje, vejo falta de ética por todo canto ninguém se respeita mais, sabe? Na minha época, mesmo que os partidos fossem diferentes, a gente tinha aquele certo respeito. Lembro-me de quando Garcia Neto e João Paulo, cada um de um lado, se encontravam nas festas e até trocavam umas palavras de bom senso. Hoje, é tudo superficial, com fake news e discursos preparados por inteligência artificial. Eu fico lá, observando de camarote, sem me meter, mas sempre com o olhar crítico. Mas o mundo mudou demais! Eu subia em palanque e não tinha medo de me expressar, sempre ia de casa em casa. Eu gostava muito.
A Gazeta - Como era a participação das mulheres na política na época em que a senhora foi primeira-dama?
Maria Lygia - Olha, minha história na política começou muito antes das redes sociais e dos celulares. Eu subia em palanque, ia de bairro em bairro, conversava com o povo tudo na base do olho no olho e da palavra direta! Naquela época, ser ativa na política eram as mulheres quem iam pedir votos para os maridos. Eu não esperava aplausos nem fama, mas sim, fazer a diferença com um papo reto e muito carinho. Tanto que nunca gostei de ser chamada de primeira-dama. Na minha época, não era algo que pesava. Sempre tive muita ajuda para buscar benefícios para Mato Grosso. Hoje, vejo que a mulher conquistou mais espaços, mas ainda falta a essência do diálogo verdadeiro. Não basta apenas ocupar lugar; tem que fazer com paixão, e isso é algo que aprendi com os meus anos de estrada.
A Gazeta - O que a senhora pensa sobre o fato de seu neto (secretário Fábio Garcia) não ter conseguido ser candidato e prefeito de Cuiabá?
Maria Lygia - Lá se vai um sonho antigo! Fiquei triste e decepcionada por meu neto não ser candidato e prefeito de Cuiabá. Sabe, eu sempre acreditei que a política podia ser uma ferramenta de mudança quando feita com amor e ética. Eu tinha um sonho, sim, de ver meu neto tomando as rédeas da cidade, com coração e inteligência. Mas a vida, com suas voltas inesperadas, não permitiu.
A Gazeta - A senhora costuma dar conselhos para o seu neto ou prefere apenas bater um papo sobre política?
Maria Lygia - Ah, conselho, como Confúcio disse, se fosse bom, não se dava vendia. Não dou. Se meu marido fosse vivo, ele daria. Mas eu não dou. As coisas mudaram muito. Ele vive uma outra realidade. Mas conversamos sobre política no Brasil. Sabe como é: cada um tem seu caminho, e eu já vivi tanto que aprendi a falar sem impor. Eu converso, conto minhas histórias. Meu neto tem um mundo moderno bem diferente do que eu vivi na política. Mas sempre falo, das festas de campanha e dos tempos em que a ética ainda mandava. Porque, no fim das contas, cada um tem que fazer sua própria caminhada.
A Gazeta - Como era a vida da senhora na época de primeira-dama e como isso contrasta com os dias de hoje?
Maria Lygia - Ser primeira-dama era uma aventura diária. Eu sempre estava atrasada. Muitas vezes estavam me esperando para almoçar com aliados e amigos políticos, e eu estava atrasada. Garcia ficava muito bravo.Tudo era feito de forma muito mais pessoal não tinha essa modernidade toda com tecnologia. Hoje, o povo já tem até discurso feito por robôs, e a política virou um jogo de interesses e superficialidades. Naquela época, cada gesto, cada palavra, tinha um peso enorme.
A Gazeta - Como a senhora mantém essa energia e vitalidade, mesmo com quase um século de vida?
Maria Lígia - Eu acordo todo dia com uma meta na cabeça! O segredo é não deixar a tristeza tomar conta, mesmo tendo enfrentado tantas perdas. Perdi dois filhos em acidentes de carro, e se eu tivesse me deixado abater, hoje ninguém me veria por aqui. O meu segredo, é não olhar para o passado. Em vez disso, eu decido que cada dia é uma nova chance de fazer algo bom, de aprender algo novo. Leio livros inclusive sobre tecnologia, como o metaverso, e inteligência artificial. Estou em busca de entender AI e me mantenho atualizada. Gosto de pensar que, enquanto houver um desafio, haverá também uma nova oportunidade para sorrir, dançar e, por que não, preparar um bolinho de queijo delicioso. Meu espírito é jovem porque eu escolho viver intensamente, celebrando cada conquista, cada riso, cada história que o tempo me proporcionou. Costuro, bordo, pinto. O segredo é não questionar o que Deus decidiu, e não ter saudades.
A Gazeta - Conte-nos sobre sua chegada a Mato Grosso e o início dessa trajetória tão marcante.
Maria Lygia - Minha chegada a Mato Grosso foi um verdadeiro conto de fadas ou quase isso! Vim de lancha e, quando desembarcamos no porto, parecia que o mundo inteiro estava ali para nos receber. Música, festa, gente sorrindo; eu vinha de uma São Paulo marcada pela guerra, a II Guerra. Coisa muito triste, e encontrei aqui um mundo novo, onde diziam que você encontrava ouro no chão. A alegria no porto era contagiante, as pessoas dançando. Me lembro que recebi um presente, um doce de caju. E, num piscar de olhos, conheci Garcia Neto, que me encantou com seu jeito simples e sua visão de futuro. Ele ia lá em casa jogar Xadrez com meu pai, era algo muito comum na época, e com os olhares, nos apaixonamos. Nosso casamento, celebrado na antiga catedral de Cuiabá, foi uma cerimônia linda, que simbolizava o início de uma parceria feita de amor, coragem e muitas, muitas batalhas políticas. Eu amei, e fui muito amada. Paparicada.
A Gazeta - O que a senhora pensa sobre as mudanças tecnológicas e como elas impactam a política hoje?
Maria Lygia - Olha, eu não sou de me meter na modernidade toda confesso que ainda fico meio perdida com essas novidades. Mas, ao mesmo tempo, tenho curiosidade e leio tudo o que posso. Li Admirável Mundo Novo, do Aldous Huxley, e vejo que muitas coisas ali já estão se tornando realidade. Hoje, temos inteligência artificial que cria discursos e espalha fake news como se não houvesse amanhã. Isso tira a essência do contato humano, daquele olhar que diz mais do que mil palavras. A tecnologia pode ajudar, mas não substitui o coração e a ética que a gente aprendeu a cultivar na vida. Por isso, eu continuo de olho e, mesmo que as máquinas falem por nós, a verdade e o respeito sempre precisam estar presentes.
A Gazeta - Olhando para trás, qual é o legado que a senhora acredita ter deixado na política e na cultura de Mato Grosso?
Maria Lygia - Ah, minha história é feita de muitas lutas e vitórias e também de algumas decepções. Fui parte de um tempo em que a política era vivida com intensidade, em que cada ação tinha um significado. Ajudei a construir eventos culturais, a levantar clubes, a promover a arte e a educação. Sempre acreditei que, mesmo em meio às dificuldades, o povo mato-grossensse tinha uma força imensa, e foi isso que tentei transmitir. Hoje, vejo que o legado vai além dos números e das cadeiras de poder: é a memória de uma época em que cada gesto, cada palavra, tinha um peso. Deixo o exemplo de que, mesmo enfrentando a modernidade e os desafios do presente, o amor pela cultura e pela ética não pode morrer. Fico triste com coisas que foram criadas no passado como a Casa do Artesão, e o Centro de Reabilitação fechados. É triste, são locais que trazem a história e ajudou muita gente.
A Gazeta - Como foi para a senhora a divisão de Mato Grosso?
Maria Lygia - Sempre fui contra. E sou até hoje! Garcia sempre dizia que se dividissem o estado, como foi feito, Mato Grosso perderia a força política. E foi o que aconteceu. Vejo que a Câmara Federal do estado tem pouca força. E Mato Grosso do Sul, não vota junto com Mato Grosso, como a bancada do Nordeste. A divisão, não foi benéfica para nós. Me lembro que fizemos um grande espetáculo, teatro dança, envolvendo toda comunidade artística para impedirmos, lutarmos e mostramos que não queríamos a divisão, mas infelizmente não conseguimos. Até hoje, vejo que não deveria ser dividido Mato Grosso. Essa junto com o fato do meu neto - Fábio Garcia- não ser prefeito de Cuiabá são as minhas tristezas.
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augusto - 10/03/2025
Perfeita entrevista.......o passado bem elaborado por essa Senhora, parabéns.
rapariga da guarita - 10/03/2025
Essa foi criada no mocoto, catuni, costela com banana verde, paçoca de pilão, mujica de pintado, pacu frito e arroz sem "sá".
2 comentários