Paradoxo entre tradição e modernidade I

A manutenção dos saberes de uma comunidade tradicional tem como esteio a presença contínua das relações sociais e culturais entre seus integrantes, manifestada por meio da existência das práticas de solidariedades, onde os laços afetivos e de compadrio se estabelecem, sejam nas festas, nos rituais, na pescaria, na roça, no funeral, na produção artesanal, nas narrativas orais, entre outros tantos momentos em que o conhecimento é socializado, passando assim de uma geração para outra.
Acontece que nas últimas décadas, o contato sistemático das comunidades tradicionais com a modernidade tornou-se inevitável, principalmente com o processo de globalização e o avanço da tecnologia em regiões até então consideradas isoladas. Um dos elementos propulsores dessa expansão foi sem dúvida a chegada da energia elétrica nas mais diferentes comunidades tradicionais, proporcionando mudanças significativas no cotidiano das pessoas e na organização social e cultural de inúmeros povos.
O ponto de partida de nossa reflexão será, caros leitores, a chegada da energia elétrica nessas comunidades tradicionais, problematizando os aspectos favoráveis e desfavoráveis, da perspectiva de organização social e cultural, na tentativa de entender os elementos a partir da fala dos moradores dessas comunidades, que sinalizam os aspectos positivos e negativos, do ponto de vista deles, que foram desencadeados com a expansão da energia elétrica até essas comunidades.
A partir de conversas mantidas foram relatados que a energia elétrica possibilitou a chegada dos eletrodomésticos e inúmeros aparelhos eletroeletrônicos, que contribuíram sensivelmente para a melhoria da oferta de saúde e educação pública, na medida em que tornou possível a conservação de medicamentos, o uso de aparelhos clínicos sofisticados, o acesso a informações em tempo real na área educacional, entre outros elementos.
No entanto, para algumas pessoas, em particular os mais idosos, a chegada da energia elétrica trouxe mudanças muito rápidas no cotidiano e no comportamento das pessoas, especialmente no período noturno, onde ressaltam que antes, ao anoitecer, eram realizadas as reuniões, ocasião em que as pessoas conversavam sobre caçadas, pescarias e rituais, relatando os mitos e contos tradicionais que fazem parte da identidade étnica e cultural de cada povo. A noite o fogo era acesso, as crianças brincavam, a maioria das danças eram realizadas e as narrativas predominavam.
Não nos cabe aqui acharmos que as comunidades tradicionais devam ou não ter acesso aos benefícios da modernidade, que sem dúvida melhora a qualidade de vida de todo cidadão e torna mais fácil prática as atividades cotidianas das pessoas. Apenas estamos destacando os pontos que foram elencados pelos moradores dessas comunidades, que continuaremos a mostrar no próximo texto, para assim entendemos as inúmeras faces desse paradoxo entre tradição e modernidade.

Elias Januário é educador, antropólogo e historiador. Escreve às sextas-feiras em A Gazeta. E-mail: eliasjanuario@terra.com.br