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Cuiabá, Terça-feira 07/10/2025

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NO PANTANAL 07.10.2025 | 08h22

Expansão de Unidades de Conservação potencializa o enfrentamento às secas e às queimadas no bioma

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Divulgação

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A maior planície alagável do planeta, reconhecida por sua biodiversidade e por paisagens que se transformam com a fluidez das águas, tem enfrentado um dos momentos mais críticos de sua história. Nos últimos 40 anos o Pantanal perdeu cerca de 21% de sua superfície aquática. Segundo dados do MapBiomas, em 2024 a redução chegou a 61% em relação à média histórica, índice que ajuda a explicar por que, no ano passado, o fogo foi tão intenso e devastou quase um quinto do bioma.

 

Em meio a dados tão alarmantes, uma iniciativa da Aliança Pantanal busca reverter esse cenário. A coalização, liderada pela Rede Pró-UC, organização de advocacy formada em 1998 por ambientalistas e organizações da sociedade civil que atuam em defesa das Unidades de Conservação do Brasil, também conta com a participação do Instituto SOS Pantanal, Associação Onçafari e Panthera Brasil, e atualmente tem trabalhado em conjunto com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) no processo de ampliação de duas Unidades de Conservação (UCs) do Pantanal.

 

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Entre agosto e setembro, com o suporte da coalizão e mais de 30 organizações locais, o ICMBio realizou duas Consultas Públicas, uma em Poconé, outra em Cáceres, municípios de Mato Grosso, para apresentar à população a proposta de expansão territorial do Parque Nacional do Pantanal Mato-Grossense, com a previsão do acréscimo de 48 mil hectares, e da Estação Ecológica de Taiamã, que deverá ser beneficiada com uma ampliação de 53 mil hectares. A implementação dos 101 mil hectares, somadas as duas áreas, simboliza um importante avanço nas metas da Aliança Pantanal, que almeja a expansão de 150 mil hectares, para 257 mil hectares à rede de proteção integral, elevando dos atuais 4,5% para 5,2% da área oficialmente protegida dessas duas UCs vitais para preservação do bioma Pantanal.

 

“Criar e ampliar essas áreas requer uma ação conjunta de vários setores, incluindo governos, poder público e, sobretudo, a sociedade civil, que exerce um papel fundamental. Foi o que constatamos nas duas Consultas Públicas, em que essas organizações estiveram juntas manifestando a importância da ampliação das duas áreas, defendendo perspectivas técnicas e políticas e contando com o apoio da população local que atuou lindamente nas duas consultas. Um ambiente de debate que contou com a presença da academia, de estudantes e pesquisadores; e de organizações locais, regionais e não governamentais. Uma presença massiva de atores que mostraram a importância de lutar pela ampliação dessas áreas e manifestaram o desejo de conservar para todos aquilo que é de todos”, comemora a bióloga Angela Kuczach, que, desde 2014, atua como diretora executiva da Rede Pró-UC.

 

O encaminhamento público das propostas de ampliação das duas UCs vem em momento estratégico. Em novembro, Belém (PA) sediará a COP30 que, ao longo de 11 dias, tornará o Brasil vitrine das discussões climáticas globais. No coração da Amazônia, os olhos da opinião pública estarão voltados sobre o bioma brasileiro mundialmente mais conhecido. O encontro será também imprescindível para que o governo brasileiro reitere a urgência de ampliação da proteção de biomas tão fundamentais quanto a Amazônia e o Pantanal para a mitigação das mudanças climáticas.

 

Ao promover a ampliação das duas UCs imprescindíveis para a existência do Pantanal o Brasil reafirmará sua adesão ao Pacto Global da Biodiversidade de Kunming-Montreal, que prevê conservar pelo menos 30% das áreas terrestres e aquáticas até 2030. A expectativa das entidades que compõem a Aliança Pantanal é de que os decretos ampliando o Parque Nacional do Pantanal e Estação Ecológica Taiamã sejam sancionados pelo Governo Federal e publicados antes do início da COP30.

 

Parque e Estação em expansão

Criado em 1981, o Parque Nacional do Pantanal Mato-Grossense é até hoje o único desta categoria no bioma. Com 135,6 mil hectares, preserva ambientes alagáveis que sustentam espécies emblemáticas como a onça-pintada, a arara-azul e a ariranha. A proposta de expansão da UC busca incorporar áreas secas e de transição, ampliando a diversidade de ecossistemas sob proteção e garantindo maior conectividade biológica, elementos cruciais para o enfrentamento das mudanças climáticas.

 

A proposta de ampliação do Parque Nacional do Pantanal Mato-Grossense contempla três áreas estratégicas. Ao leste, a incorporação da Fazenda Belica garantirá a proteção de áreas úmidas permanentes e potencializará o uso público e a instalação de bases de apoio do ICMBio. Ao norte, na Fazenda Rio Alegre Bom Futuro, a expansão viabilizará a preservação de florestas inundáveis e permitirá o acesso a antigos limites territoriais que dificultam ações de fiscalização. Já ao sul, a ampliação no Morro do Caracará vai permitir o domínio público sobre trilhas que levam a um mirante natural e a sítios arqueológicos, ampliando a oferta de visitação.

 

“Além de proteger áreas úmidas, ecossistemas e fitofisionomias fundamentais que hoje não estão no nosso perímetro de domínio, a ampliação do parque nos permitirá expandir também as ações ostensivas de proteção, como o combate e prevenção aos incêndios florestais, a fiscalização contra a pesca ilegal e o uso indevido do solo. O Pantanal está cada vez mais sujeito a ações de desmatamento. Continua secando. Por isso é fundamental proteger as poucas áreas permanentemente alagadas que ainda restam e que preservam as matas ciliares e servem de refúgio para as aves silvestres e para a ictiofauna. Nosso objetivo é também ampliar as áreas de uso público, promovendo a visitação e o contato recreativo com a natureza, principalmente nas regiões do Morro do Caracará, do Rio da Alegria e da Baía do Burro”, explica Nuno Rodrigues da Silva, chefe do Parque Nacional do Pantanal Mato-grossense. 

Com propósitos semelhantes, a Estação Ecológica de Taiamã, também criada em 1981 e reconhecida como Sítio Ramsar, deve ganhar 56,9 mil hectares adicionais. A expansão inclui a Ilha do Sararé e a região conhecida como “Campo”, ambas estratégicas para a hidrologia do Pantanal e áreas que funcionam como berçários naturais de peixes e que amortizam as cheias do Rio Paraguai, reforçando o equilíbrio que mantém a biodiversidade e a produtividade pesqueira.

 

"Há aproximadamente três décadas atuo como professora da universidade em pesquisas na Estação Ecológica de Taiamã, com foco em vegetação, serviços ecossistêmicos e restauração ecológica. Como membro do Conselho Consultivo da Estação, participo ativamente das discussões sobre a conservação do Pantanal. No âmbito do Programa Ecológico de Longa Duração (PELD), conduzimos estudos multidisciplinares que abrangem diversas áreas. Nossas pesquisas evidenciaram a necessidade de expandir a Estação Ecológica de Taiamã para uma área de campo, onde já há um acordo de não pesca. Fundamentada em diálogo e na decisão coletiva do Conselho Consultivo, a proteção dessa área é crucial, pois ela serve como berçário para 131 espécies de peixes identificadas, refúgio para a onça-pintada e contribui para o sequestro de carbono nas áreas úmidas", defende Solange Ikeda Castrillon, professora da Faculdade de Ciências Agrárias e Biológicas da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat).

 

Do fogo à esperança

Atualmente, menos de 5% do Pantanal está sob alguma forma de proteção. Desse total, menos de 30% é de proteção integral. Apesar de conservar cerca de 80% de sua cobertura natural, o Pantanal é um dos biomas brasileiros menos protegidos. Essa vulnerabilidade ficou explícita em 2024, quando incêndios de grandes proporções chamaram a atenção da opinião pública local e da imprensa internacional.

 

Em 2025, a área queimada teve uma queda de 99%, mas especialistas ressaltam que a trégua é circunstancial: a combinação de seca prolongada, assoreamento de rios e expansão de atividades humanas continua a conduzir o bioma para um “ponto de não retorno”, sobretudo se considerarmos que as áreas úmidas do Pantanal não são apenas berços de biodiversidade. Elas armazenam até quatro vezes mais carbono do que florestas, funcionando como reguladores climáticos e como barreiras naturais contra incêndios. Mais que uma ameaça local, a perda dessas áreas úmidas representa um risco para o equilíbrio climático global.

 

Estudos preliminares sobre a ampliação das UCs no Pantanal indicam que municípios com UCs de Proteção Integral registram, em média, 11% menos desmatamento e conseguem evitar emissões de CO₂ em larga escala. Para além dos ganhos ambientais, a expectativa é de incremento de atividades econômicas sustentáveis, como o ecoturismo, já em expansão no bioma sobretudo com a observação de onças-pintadas e aves. Para as comunidades locais trata-se de uma alternativa à pecuária extensiva e à mineração, atividades que historicamente causam impactos nocivos ao bioma.

 

Se 2024 foi lembrado pela devastação das chamas, a iniciativa proposta pela Aliança Pantanal pretende marcar o início de uma virada. Afinal, a criação e a ampliação de Unidades de Conservação são vistas como respostas estruturais a crises ambientais recorrentes, oferecendo proteção não apenas à fauna e flora, mas, também, à segurança hídrica e climática de milhões de pessoas.

 

A experiência pantaneira pode servir de inspiração para instituições que atuam em defesa da conservação de outros biomas brasileiros e para regiões do mundo que enfrentam desafios semelhantes. Preservar o Pantanal não é apenas uma decisão local: é parte de um compromisso global com o futuro do clima, da biodiversidade e da humanidade.

 

Sobre a Rede Pró-UC

Criada em 1998, a Rede Pró-UC tem atuado pela criação, ampliação, fortalecimento e defesa das Unidades de Conservação brasileiras com a missão de preservar nosso patrimônio natural por meio da mobilização política, da articulação institucional e da valorização das UCs como ferramentas essenciais para o bem comum. Desde a sua fundação, a Rede Pró-UC foi protagonista na formulação e aprovação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) e liderou campanhas emblemáticas, como a criação dos mosaicos marinhos de São Pedro e São Paulo (PE) e de Trindade e Martim Vaz (ES), e a defesa do Parque Nacional do Iguaçu (PR). Em um contexto de emergência climática, perda de biodiversidade e ameaças legislativas constantes, a atuação vigilante da Rede Pró-UC e de seus parceiros é mais importante do que nunca, reunindo esforços para impedir retrocessos e pressionar o poder público por políticas mais ambiciosas.

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