ORGULHO LGBTQI+ 27.06.2021 | 11h30
yuri@gazetadigital.com.br
No país em que mais se mata pessoas transexuais, a estudante de Música da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Sophie Silva Campos, 22, acredita que está no auge de sua vida. Isso se for considerado que a expectativa de vida da população trans, segundo pesquisa, é de 35 anos. Ela tem casa própria, um emprego e não se dá ao luxo de fugir da realidade, mas não se limita. Sonha, luta e conquista seu espaço e desejos.
Pessoas trans e travestis são as mais vulneráveis dentro da comunidade LGBTQI+. Pesquisa da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) apontou que a expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil é de 35 anos, menos da metade da população brasileira, que segundo pesquisa é de 74,6 – que chegou a ser de 76,7.
Desde pequena, Sophie sabia que era diferente das outras crianças com quem convivia. Mas, ela ainda não entendia o porquê dessa diferença, especialmente entre seus irmãos cisgêneros – pessoas que se identificam com o gênero que nasceram. “Sempre era cobrada pelos meus familiares para manter uma postura diferente da que eu tinha”, lembra.
Ainda criança, em uma escola particular no Dom Aquino, já sentia a rejeição pela sua forma de ser. “Eu andava mais com as meninas, não tinha afinidades com os meninos. As minhas brincadeiras eram de meninas. Os próprios funcionários da escola falavam para os meus pais, mas eu era uma criança, não entendia o que estava acontecendo, nem mesmo o que responder”.
Os ambientes que frequentavam se tornaram desconfortáveis. Em casa e na escola, os questionamentos giravam em torno do que ‘ela era’. “Uma vez, quando questionada, respondi que se pudesse, nasceria menina. Passei a ser humilhada, vítima de chacotas, mas eu não entendia o motivo. Perguntaram o que eu queria ser e eu respondi”.
Foi então que ela começou se policiar, reprimindo sua forma de ser para ‘chegar em casa em paz’. Nessa época, Sophie acreditava que era apenas um menino gay. A homofobia sofrida era dividida com episódios racistas. Para se ter uma ideia, ela lembra que os colegas saíam da piscina quando ela entrava.
“Já adolescente, fui para uma escola salesiana, onde esses episódios aumentaram devido à conduta conservadora da direção. Mas, por outro lado, já era bem acolhido pelas colegas de sala. Eu acreditava, na época, que era gay e foi quando tudo começou a mudar dentro de casa”.
Rejeição e violência
De família católica e um tanto quanto conservadora, Sophie teve dificuldades de relacionamento com seus pais. A situação era pior com o irmão. Quando disse ser gay, passou a ter uma vivência regrada, não podia sair de casa, tinha limitação de amizades, mesmo os poucos que mantinha.
A primeira vez que saiu sozinha foi aos 17 anos – quando deixou de morar com os pais. Antes disso, entre os 12 e 13 anos, diante da repressão da família, passou a sofrer com crises de ansiedade e depressão. Perdeu muito peso e tinha problemas para dormir.
“Eu me questionava muito, questionava o porquê eu era daquela forma, ainda tinha que ouvir que eu iria para o inferno se continuasse assim”, lembra. A universitária lembra ainda que chegou a pensar que era doente.
Aos 14 anos assumiu à família, disse que era gay após ser pressionado por várias pessoas. O pai ficou sem falar com ela por um mês. A sua vida ficou mais controlada e ainda acreditavam que eu estava sendo influenciada.
Com ‘mais tempo’ em casa, passou a pesquisar sobre sexualidade e gênero. “Lia artigos sobre sexualidade, sobre a comunidade LGBTQI+ e fui me aceitando melhor. Fui me entendendo e até mesmo orientando, explicando aos meus pais”.
Universo feminino encanta
Mas, ainda havia muitos questionamentos na cabeça de Sophie. Um deles era o porquê as pessoas usavam o tratamento no feminino para falar com ela – tudo isso antes da sua transição.
“Eu era bastante delicada, tinha meus trejeitos e o universo feminino me encantava, mas eu não entendia o que podia ser. Já tinha lido sobre a transexualidade, visto documentários, mas para mim, ainda não era um entendimento sobre a minha própria identidade”.
Foi aos 16 anos que ela sofreu uma ‘intervenção’ dos amigos. “Eles sentaram comigo e abriram o jogo. Falaram que achavam que eu era uma transexual, que eu precisava me aceitar e assumir quem eu era, ficaram ao meu lado e disseram ainda que se eu não tivesse lugar para ficar – caso fosse expulsa de casa – eles iriam me acolher”.
Tudo fez sentido para ela naquele momento, entendendo, de fato, que era uma mulher trans e que precisava renascer. “Liguei para minha irmã, que sempre foi minha melhor amiga, e contei. Ela me acolheu, disse que me amava como eu era e que iria me ajudar em casa, com meus pais”.
A irmã confidencializou ainda que, quando a mãe delas estava grávida de Sophie, sonhava sempre que o bebê seria uma menina. “Ela disse que eu era a menina que a mamãe tanto quis durante a gravidez”. Mas, contar aos pais foi uma tarefa difícil e segundo ela, foi ‘outro choque’.
Os pais pediram para ela não contar para ninguém e que precisavam de um tempo para ‘digerir a informação’. Sophie não tinha mais tempo, foram anos sendo reprimida dentro de casa, na escola, na comunidade. Ela queria ser quem ela sempre foi. Escondida, começou a transição.
Transfobia
Nem sempre sua casa foi o lugar mais seguro, diferente do que se espera. Lá, passou a sofrer com ataques do irmão, assumidamente transfóbico, que esperava os pais saírem para ataca-la. “Eu cheguei a mudar de casa algumas vezes, mas voltei a pedido dos meus pais. Tentei ignorá-lo, mas nem sempre era possível”.
Nesse meio tempo, a mãe de Sophie ofereceu uma casa para ela morar sozinha. E ela foi. Família parecia ter superado muita coisa, foi quando em uma festa o irmão bebeu e tentou agredi-la. Ela foi para casa, tentou suicídio naquela noite. Foi salva pelo pai que foi até o local preocupado com a forma com que ela saiu da festa.
Cursou Arquitetura e Urbanismo na Univag, mas largou o curso diante da transfobia sofrida nos corredores da instituição. “Cheguei a ser abordada por estudantes, perguntando quanto eu cobrava para um programa, outros me chamavam para ir até o estacionamento. Então, é uma situação pela qual as mulheres trans passam todos os dias, porque acreditam que a gente não pertença ao meio, que estamos ligadas ao tráfico, prostituição”, contou.
Em 2019 passou para Música na UFMT, onde a realidade foi outra e o acolhimento pleno por colegas e professores.
Estar ‘no mesmo lugar’
E apesar de ter conquistando tantos espaços nos últimos anos, para ela, a expectativa de vida das pessoas trans é condicionada. “Nós não temos nada. Tudo nos é negado, perceba. As pessoas em geral acreditam que nosso lugar é nas esquinas, na prostituição. Mas, não é verdade”.
Com família, casa e trabalho, Sophie acredita que as oportunidades dadas ainda são poucas, até mesmo para as trans com formação acadêmica. “A gente sai de casa e não sabemos se vamos voltar. A realidade é perigosa. E sendo realista, daqui há 30 anos, quero estar no mesmo lugar”.
Sophia afirma que para pessoas trans, que têm expectativa de vida de 35 anos, o agora é auge da vida, especialmente a dela.
“Para nós, o auge é se estabelecer, viver quem você é. Então, tudo que você tem, é muito. E tem gente que ainda não conseguiu. Então, o agora é a nossa realização e no futuro quero estar no mesmo lugar”, finalizou a jovem.
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Antônio - 27/06/2021
Aaaaaaaaa.....Paraaaa oooooo Isso, não existe existe crime ou ato de alguém!! Só cada se colocar no seu lugar independente de cor , raça ou crença ou credo...
1 comentários