soberania inegociável 28.09.2025 | 18h00
allan@gazetadigital.com.br
Fernando Franzão/ABr
O Dia Internacional da Democracia, celebrado em 15 de setembro, ganhou contornos especiais neste ano em meio à condenação histórica do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por tentativa de golpe.
No dia 11 de setembro, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou Bolsonaro, por 4 votos a 1, por liderar uma tentativa de golpe articulada entre 2021 e 2023. Foi a primeira vez, em 136 anos de República, que um ex-chefe de Estado e militares foram condenados por atentar contra a ordem democrática.
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A Corte entendeu que o grupo liderado pelo ex-presidente buscava se perpetuar no poder por meio de um autogolpe ou de impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), eleito em 2022. Todos os outros sete réus do chamado “núcleo crucial” da organização criminosa também foram condenados, em atendimento ao pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Para a cientista política Christiany Fonseca a democracia no Brasil “ainda é frágil e precisa ser defendida em todos os espaços”.
“Foi a maior afronta ao Estado Democrático de Direito desde a redemocratização. Um presidente da República conspirando contra o próprio sistema que o elegeu. Não se trata de divergência ideológica, mas de ataque deliberado às bases constitucionais. A tentativa de golpe não foi um episódio isolado, foi o ápice de um processo contínuo de erosão institucional: desinformação sistemática, ataques ao sistema eleitoral, instrumentalização das Forças Armadas, deslegitimação do Judiciário. Foi a prática do autoritarismo em doses homeopáticas até o momento da ruptura. O que vimos não foi um susto, foi uma estratégia. E o Brasil só não mergulhou numa ruptura porque as instituições resistiram. Mas resistiram sob teste. E esse teste não pode cair no esquecimento, nem na complacência”, disse.
Ao longo de sua história republicana, o Brasil já enfrentou 15 golpes, todos marcados pela impunidade. Nos casos vitoriosos, os golpistas permaneceram no poder. Nas tentativas frustradas, o Congresso aprovou anistias, blindando os responsáveis, da mesma forma que parlamentares buscam fazer com bolsonaristas e condenados pelos atos de 8 de janeiro.
A própria República nasceu de um golpe militar em 1889, quando Marechal Deodoro da Fonseca depôs Dom Pedro II. Em 1922, integrantes do Exército também tentaram derrubar o presidente civil Epitácio Pessoa. Para Fonseca, o histórico reforça a importância da responsabilização atual.
“A primeira lição é que democracia não sobrevive sem consequência. Tentar um golpe não é uma divergência de opinião, é crime contra a República. E crimes, quando não enfrentados, viram precedentes. A responsabilização do ex-presidente e de seus aliados não é uma questão de revanche. É uma exigência de sobrevivência institucional. Democracia que não pune sabotadores convida o próximo a tentar de novo”, disse.
Fragilidades da democracia brasileira
A cientista política lembra que o Brasil tem uma democracia institucionalizada, mas ainda não consolidada. “O Brasil tem uma democracia institucionalizada, mas ainda não tem uma democracia enraizada. As regras estão postas, mas a cultura política que as sustenta permanece frágil. Nosso maior desafio não é apenas garantir eleições periódicas, mas construir um pacto democrático que vá além do ritual do voto e se traduza em cidadania substantiva, dignidade material e reconhecimento social”, disse.
Segundo ela, há três deformações históricas que persistem. “A democracia brasileira convive, historicamente, com três deformações estruturais: a desigualdade, o autoritarismo social e a naturalização da exclusão. Não é coincidência que tenhamos uma das maiores taxas de homicídio juvenil, uma das maiores populações carcerárias e, ao mesmo tempo, os menores índices de representatividade popular nos espaços de poder. O Estado que garante direitos a alguns é o mesmo que nega proteção a muitos. A universalização do sufrágio foi um marco, mas não basta que todos votem se apenas alguns são ouvidos. O voto é condição necessária, mas não suficiente. A democracia só se consolida quando os direitos saem do papel, quando as instituições funcionam para todos, e não apenas para quem já tem sobrenome, blindagem e capital político”, continuou.
Memória como trincheira
Para Christiany, lembrar datas como o Dia Internacional da Democracia é essencial. “Porque memória, no Brasil, não é um detalhe. É uma trincheira. Lembrar o Dia da Democracia é lembrar que o autoritarismo nunca deixou completamente a cena, apenas trocou de tática. E que a democracia, ao contrário do que muitos pensam, não é natural, nem inevitável. É uma construção frágil, que precisa ser defendida cotidianamente. As datas cívicas são mais do que efemérides: são marcos de disputa simbólica. Relembrar a democracia é também escolher o que o país se recusa a esquecer. É fazer pedagogia pública contra o negacionismo, o golpismo disfarçado e a saudade seletiva da repressão. Quando a sociedade silencia o passado, ela autoriza a repetição, e no Brasil, essa repetição sempre cobra o preço mais alto dos mais pobres", pontuou.
Anistia em debate no Congresso
Sobre o projeto de anistia que tramita no Congresso, Christiany é categórica. “A proposta de anistia aos golpistas é mais do que um erro político, é um atentado à memória institucional. É a tentativa de transformar agressão à democracia em liberdade de expressão. E isso não é gesto de pacificação, é cumplicidade. Anistiar golpistas é sinalizar que o crime compensa, se tiver motivação política. É enfraquecer o princípio republicano da igualdade perante a lei. E mais: é insultar a democracia justamente no momento em que ela demonstrou força para reagir. A anistia de 1979, feita sob pressão da ditadura, já nos deixou lições amargas. Repetir o mesmo erro, agora em pleno funcionamento do Estado de Direito, seria institucionalizar o perdão como política. E nesse caso, o perdão não reconstrói, corrói".
O papel da sociedade civil
Na avaliação da cientista, a defesa da democracia não se sustenta apenas nas instituições formais. “A democracia não se sustenta apenas com tribunais e urnas. Ela exige cultura democrática, e cultura não se decreta, se constrói. A educação política é o que forma o discernimento público: para distinguir fatos de boatos, adversário de inimigo, crítica legítima de ataque ao Estado de Direito. Já a sociedade civil organizada é o maior antídoto contra a captura do poder por interesses privados e antirrepublicanos. É na articulação entre movimentos, coletivos, universidades, imprensa independente e redes de defesa de direitos que a democracia se oxigena. Onde o Estado falha, é a sociedade civil que denuncia. Onde o poder se acomoda, é ela que tensiona. E onde o autoritarismo tenta avançar, é ela quem segura a linha de frente. Não há democracia sem povo mobilizado".
Lula na ONU e o recado ao mundo
A celebração da data coincidiu com o discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na abertura da Assembleia Geral da ONU. Lula criticou agressões ao Judiciário, condenou a possibilidade de anistia a golpistas e reafirmou que “a democracia e a soberania brasileiras são inegociáveis”.
Quando o Lula vai na ONU e ratifica o que já vem reiteradamente falando da soberania e foi bastante aplaudido por isso, eu acho que é um momento em que a gente deve realmente constatar que a nossa democracia é frágil e, para isso, precisa ser reafirmada em todos os espaços. Então essa reafirmação na ONU, ela foi muito importante”, concluiu Christiany.
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