'sus é do povo' 31.07.2025 | 15h25
mariana.lenz@gazetadigital.com.br
Reprodução
Entidades ligadas à saúde e direitos das populações negra e LGBTQIAPN+ em Mato Grosso e a nível nacional manifestaram solidariedade à pesquisadora Maria Inês da Silva Barbosa, pela situação constrangedora vivida na quarta-feira (30). Ela foi repreendida pelo prefeito de Cuiabá, Abilio Brunini (PL), durante a 15ª Conferência Municipal de Saúde de Cuiabá, na abertura do evento e deixou o local. A estudiosa fez cumprimento inicial saudando “a todes”, enquanto o gestor sinalizou que a linguagem não é aceita no município.
O Conselho Nacional de Saúde (CNS), por meio do site do Governo Federal, emitiu nota de solidariedade à pesquisadora e repúdio ao prefeito. No texto, o CNS considera que a doutora foi “vítima de desrespeito e cerceamento”. Também destaca que o Sistema Único de Saúde (SUS) não é de um governo ou de uma gestão, mas do povo brasileiro, e que deve acolher as diferenças e combater todas as formas de discriminação e racismo.
“A tentativa de silenciar a professora Maria Inês, sob o pretexto de "doutrinação ideológica", fere os valores do SUS e a própria Constituição Federal, que garante a saúde como direito de todas as pessoas, sem exclusões, sem discriminação, sem racismo. Tamanha atitude autoritária, desferida por um representante democraticamente escolhido pelo povo, revela um profundo desconhecimento sobre o papel do SUS e da participação social como instrumento democrático. Instrumento, aliás, tão democrático quanto o poder do voto que elege prefeitos municipais”, diz trecho da nota.
Já o Instituto de Mulheres Negras de Mato Grosso (IMUNE/MT) considerou a atitude como “inaceitável” e crê que o uso de pronomes neutros seja uma forma de liberdade de expressão e respeito à diversidade, o que não ocorreu.
“O IMUNE/MT considera inaceitável a atitude do prefeito, que demonstra intolerância e desrespeito à diversidade e à liberdade de expressão. Acreditamos que o uso de pronomes neutros é uma forma de promover a inclusão e a igualdade, e que a discussão sobre temas relevantes para a saúde da população deve ser feita de forma aberta e democrática”, cita.
Quem também se manifestou foi o Centro Acadêmico de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), que avaliou o ato como uma forma de silenciamento. “Rejeitamos toda forma de silenciamento e desrespeito à liberdade de expressão, especialmente em espaços públicos e democráticos como o SUS. Defender a equidade, a inclusão e a diversidade não é ideologia, é compromisso com os direitos humanos”, disse.
O grupo Mães pela Diversidade emitiu um extenso comunicado, onde analisou como uma “ conduta de censura” praticada por Abilio contra a professora, e entende que a linguagem “é viva” e “não se restringe ao que está na norma”, compreendendo que os padrões linguísticos são passíveis de mudanças para abarcar populações vulneráveis.
O caso
Durante a 15ª Conferência Municipal de Saúde de Cuiabá, iniciada ontem (31), a pesquisadora Maria Inês da Silva Barbosa, mestre em Serviço Social, doutora em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo) e professora adjunta aposentada do Instituto de Saúde Coletiva da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), uma das palestrantes convidadas, iniciou sua fala com uma saudação a "todes".
O termo é utilizado em alternativa a palavra todos e todas, por populações LGBTQIAPN+, com a letra E ao final como forma de pronome neutro. O recurso é também visto por membros da comunidade como uma forma de linguagem mais inclusiva, no sentido de reduzir a exclusão e o viés de gênero na comunicação.
Após a fala da pesquisadora, o prefeito Abilio Brunini (PL) pediu que a pesquisadora utiliza-se o termo padrão da língua portuguesa e declarou que não aceitar o uso de linguagem neutra ou aplicação de elementos de cunho ideológico durante palestras e eventos oficiais enquanto for prefeito da capital. O gestor ainda citou que a palestra seria suspendida caso Maria voltasse a utilizar o termo.
Diante da situação ela optou por se retirar.
Confira na íntegra as manifestações
Nota de Solidariedade à professora Maria Inês da Silva Barbosa
O Conselho Nacional de Saúde (CNS) vem a público manifestar total solidariedade à professora Maria Inês da Silva Barbosa, pioneira nos estudos sobre a saúde da população negra no país. Mestre em Serviço Social e doutora em Saúde Pública, a pesquisadora foi vítima de desrespeito e cerceamento durante a 15ª Conferência Municipal de Saúde de Cuiabá (MT), nesta quarta-feira (30).
O SUS é fruto de décadas de luta por uma saúde pública universal, integral e equânime, construída com a participação social, princípio basilar da democracia brasileira. As conferências de saúde são espaços históricos de diálogo, onde a diversidade de vozes deve ser não apenas respeitada, mas celebrada, pois reflete o compromisso com a equidade e a inclusão. O objetivo das Conferências é melhorar a saúde de toda a população, e uma das ferramentas mais assertivas para isso é justamente incluir, ouvir e considerar as pessoas na construção de políticas públicas de saúde.
A tentativa de silenciar a professora Maria Inês, sob o pretexto de "doutrinação ideológica", fere os valores do SUS e a própria Constituição Federal, que garante a saúde como direito de todas as pessoas, sem exclusões, sem discriminação, sem racismo. Tamanha atitude autoritária, desferida por um representante democraticamente escolhido pelo povo, revela um profundo desconhecimento sobre o papel do SUS e da participação social como instrumento democrático. Instrumento, aliás, tão democrático quanto o poder do voto que elege prefeitos municipais.
O SUS não é de um governo ou de uma gestão: é do povo brasileiro, e sua força está justamente na capacidade de acolher as diferenças e combater todas as formas de discriminação e racismo, pois isso também é fazer saúde. O CNS repudia veementemente qualquer tentativa de coibir debates ou impor censuras em espaços públicos de deliberação.
Tamanha interferência neste processo democrático, destinado a debater e construir políticas públicas de saúde voltadas para todas, todos e todes, é um ataque à autonomia dos conselhos e à sociedade civil organizada, que há décadas fortalece o SUS contra retrocessos. O SUS é do Brasil. O SUS é de todas as pessoas.
Nota de repúdio ao prefeito
O Instituto de Mulheres Negras de Mato Grosso (IMUNE/MT) vem a público manifestar seu veemente repúdio à atitude do Prefeito de Cuiabá, Abílio Brunini, que expulsou a professora Maria Inês da Silva Barbosa da Conferência Municipal do Sistema Único de Saúde (SUS) realizada nesta quarta-feira (30/7) no Hotel Fazenda em Cuiabá.
A professora Maria Inês, mestre em Serviço Social e doutora em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da USP (Universidade de São Paulo), foi impedida de continuar sua apresentação após utilizar pronomes neutros, o que foi classificado pelo prefeito como "doutrinação ideológica".
O IMUNE/MT considera inaceitável a atitude do prefeito, que demonstra intolerância e desrespeito à diversidade e à liberdade de expressão. Acreditamos que o uso de pronomes neutros é uma forma de promover a inclusão e a igualdade, e que a discussão sobre temas relevantes para a saúde da população deve ser feita de forma aberta e democrática.
É importante ressaltar que a Conferência Municipal do SUS é organizada pelo Conselho Municipal de Saúde, um órgão independente da Prefeitura de Cuiabá. Acreditamos que os conselheiros devem se posicionar contra a interferência do prefeito e defender a autonomia do Conselho.
O IMUNE/MT reafirma seu compromisso com a defesa dos direitos humanos e da igualdade, e se solidariza com a professora Maria Inês.
Atenciosamente, Instituto de Mulheres Negras de Mato Grosso (IMUNE/MT).
Nota de Repúdio | Violência Institucional
O Centro Acadêmico Tereza de Benguela – Gestão Esperançar manifesta repúdio ao ato de censura e violência simbólica sofrido pela Professora Maria Inês da Silva Barbosa durante a Conferência Municipal de Saúde de Cuiabá, em 30/07/2025.
Rejeitamos toda forma de silenciamento e desrespeito à liberdade de expressão, especialmente em espaços públicos e democráticos como o SUS. Defender a equidade, a inclusão e a diversidade não é ideologia, é compromisso com os direitos humanos.
Seguimos firmes na luta por um SUS popular, plural e antidiscriminatório.
Nós, Mães pela Diversidade, repudiamos com veemência a conduta de censura imposta pelo Prefeito Municipal da Cidade de Cuiabá, Sr. Abilio Brunini, à utilização de linguagem neutra pela Professora Doutora Maria Inês da Silva Barbosa, que se manifestava na Conferência Municipal do Sistema Único de Saúde.
Lembramos que a língua é viva e não se restringe ao que está na norma, inclusive porque ela se transforma, juntamente com a sociedade. E que a norma culta - assim designada por originalmente corresponder ao conjunto de regras e padrões linguísticos usados por pessoas com elevado nível de escolaridade, ou seja, pela elite socioeconômica que herdou e representa a cultura do colonizador – é apenas uma das possíveis variações linguísticas. Nesse sentido, Lelia Gonzalez já chamava a atenção para o pretuguês, que nada mais seria do que marca de africanização do Português falado no Brasil.
Destacamos, ainda, que a Base Nacional Comum Curricular aprovada e publicada pelo Ministério da Educação procura contemplar diferentes linguagens e diferentes letramentos e considera, como uma de suas premissas, a diversidade cultural.
E consideramos que o uso político da linguagem, como forma de questionar as relações de poder e dar visibilidade a pessoas não binárias, é legítimo. Afinal, como aponta o Conselho Federal de Psicologia, a linguagem desempenha um papel crucial na construção de relações humanas pois “pode tanto validar as potências de sua pluralidade, como ser utilizada de modo violento e opressor contra pessoas trans, travestis e não binárias” (NOTA TÉCNICA CFP Nº 11/2025).
Também apontamos que, cumprindo o papel de evitar a discriminação de pessoas não binárias, o uso da linguagem neutra se coloca como juridicamente defensável, tanto que, repetidas vezes, o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucionais leis que a proibiam, afirmando violarem a garantia da liberdade de expressão, o princípio da não discriminação e o princípio da isonomia (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 1.155 e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 1.165). Segundo o STF, “se é pela linguagem que o ser humano existe e se expressa, em última análise, a utilização de tal ou qual variação linguística da língua portuguesa é — e deve ser — escolha pessoal de cada indivíduo, encontrando-se protegida, a princípio, pelo direito fundamental à liberdade de expressão. Desse modo, não há óbice a que a linguagem neutra seja utilizada na vida privada, nas atividades da vida cotidiana, nas manifestações jornalísticas, artísticas, culturais, inclusive quando promovidas ou realizadas no contexto escolar” (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 1.151).
Repudiamos, portanto, a conduta do Prefeito Municipal que consistiu, em tese, em ofensa à liberdade de pensamento e de expressão protegida pela Constituição Federal (artigo 5º, IX) e pela Convenção Americana de Direitos Humanos (artigo 13.2) e em inadmissível censura de natureza política e ideológica, proibida pelo artigo 220, caput, e 2º, também da Constituição Federal. E esperamos que os fatos sejam devidamente apurados para que condutas como tais não se repitam.
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Pedro luis - 31/07/2025
E o respeito pela nossa língua???Para uma mulher se diz graduada e ele devia pelo menos falar o português correto..Parem de mimi...
1 comentários